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Elza dá a volta por cima e quer purpurina
Cantora diz que acabou a tristeza, fala mal do "sambinha" e pede igualdade
"Eu odeio o passado", diz Elza. "Eu vivo o hoje. Se o hoje não está bom, encaro como se fosse um chato que veio perturbar a paciência."
DA SUCURSAL DO RIO
Se, para Elza Soares, cantar é
sinônimo de vida, é natural que
ela não pense em parar nunca.
O "nunca", se dependesse do
desejo da cantora, seria literal.
"Não tenho medo da morte
porque acho que não vou morrer. Vou virar purpurina. Se
morrer, quero que me congelem para eu voltar igual um dia,
só com mais sabedoria", pede.
"E com menos sofrimento?",
arrisca o repórter, tentando se
aproximar das zonas difíceis da
vida da cantora. "O sofrimento
a gente esquece. Tudo passa. E
eu odeio o passado. Quero ser
feliz. E sou feliz", despacha.
Elza da Conceição Soares teve infância muito pobre, foi
obrigada pelo pai a se casar aos
12 anos com um homem adulto,
perdeu quatro dos nove filhos
que gerou, chegou a ser tratada
como a vilã número um do país
ao se envolver com o casado
craque Garrincha e enfrentou
alguns períodos de ostracismo
na carreira.
Nunca afundou completamente, sempre deu a "volta por
cima" -título da música de
Paulo Vanzolini que é outra
marca sua.
"Eu vivo o hoje. Se o hoje não
está bom, encaro como se fosse
um chato que veio perturbar a
minha paciência", diz Elza, que
neste ano enfrentou três cirurgias em três meses, uma delas
depois que os pontos da anterior abriram e ela teve de ser internada com órgãos à mostra.
Contra "sambinha"
A sinceridade de Elza pode
ter lhe custado caro no passado,
mas talvez seja sua melhor arma de defesa -ou de contra-ataque.
Grande intérprete de samba,
dona de importantes discos do
gênero, ela já viu muitos narizes torcidos para as misturas
que fez e faz com o jazz e a música pop.
"O samba é maravilhoso, mas
meio preconceituoso. Parece
que não há o direito de usar, de
ousar. Se misturar com hip hop,
funk, rock, vamos matar todos
eles [estrangeiros], porque o
samba é nosso e não há nada
igual. Eu não gosto de cantar e
ver as pessoas tchec-tchec-tchec [tamborila desanimada
com os dedos] na cadeira. Samba é samba mesmo, não sambinha", diz ela, imitando a dicção
de Ary Barroso, que odiava a
expressão "sambinha".
Elza também não gosta de
ver as platéias de seus shows
majoritária ou totalmente
brancas: "Eu olho e não vejo
minha família. Cadê a negrada?
Ligo a TV e saltam uns olhos
azuis em cima de mim. Esta
terra não é minha".
A queixa vem envolta em palavras políticas que, tanto no
DVD quanto na entrevista, podem carecer de aprofundamento, mas não de sinceridade.
Ela não tem medo nem de falar mal das cotas nas universidades, bandeira do movimento
negro.
"O que precisa ter é boa educação para todos. Senão, você é
sub, é menor. Quero direitos
iguais para todos", reivindica
ela, que canta no DVD "A Carne" (Marcelo Yuka/Seu Jorge/
Wilson Capellete), do verso "A
carne mais barata do mercado é
a carne negra/ Que vai de graça
pro presídio/ E para debaixo do
plástico/ E vai de graça pro subemprego", e volta a tocar no
assunto ao dizer que gostaria
de fazer uma novela.
"Não sei por que nunca me
convidaram. Não sabem a atriz
que estão perdendo. Mas não
tem papel para crioulo em novela. Vão me botar limpando o
chão, ralando o joelho?"
Documentário
Por causa dos problemas de
saúde e dos shows para lançar
CD e DVD, Elza interrompeu as
filmagens do documentário de
Izabel Jaguaribe (de "Meu
Tempo É Hoje", sobre Paulinho da Viola), que deve ser concluído em 2008.
No filme, recordará, por
exemplo, quando saiu do Brasil
deprimida por causa da morte
de seu filho Garrinchinha e
passou nove anos nos Estados
Unidos (1988-97).
"Já cansei de ouvir que, se eu
tivesse nascido lá ou lá ou lá
[outros países], não teria para
ninguém. Mas aí não teria eu
aqui. Meu lugar é aqui", afirma
ela, que não assume seus 70
anos ou qualquer outra idade.
"Quando eu cheguei a este
planeta, já existia o tempo.
Quando eu for embora, vai continuar existindo. Então os números não têm importância",
explica.
(LUIZ FERNANDO VIANNA)
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