São Paulo, quarta-feira, 26 de setembro de 2007

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Elza dá a volta por cima e quer purpurina

Cantora diz que acabou a tristeza, fala mal do "sambinha" e pede igualdade

"Eu odeio o passado", diz Elza. "Eu vivo o hoje. Se o hoje não está bom, encaro como se fosse um chato que veio perturbar a paciência."

DA SUCURSAL DO RIO

Se, para Elza Soares, cantar é sinônimo de vida, é natural que ela não pense em parar nunca. O "nunca", se dependesse do desejo da cantora, seria literal.
"Não tenho medo da morte porque acho que não vou morrer. Vou virar purpurina. Se morrer, quero que me congelem para eu voltar igual um dia, só com mais sabedoria", pede.
"E com menos sofrimento?", arrisca o repórter, tentando se aproximar das zonas difíceis da vida da cantora. "O sofrimento a gente esquece. Tudo passa. E eu odeio o passado. Quero ser feliz. E sou feliz", despacha.
Elza da Conceição Soares teve infância muito pobre, foi obrigada pelo pai a se casar aos 12 anos com um homem adulto, perdeu quatro dos nove filhos que gerou, chegou a ser tratada como a vilã número um do país ao se envolver com o casado craque Garrincha e enfrentou alguns períodos de ostracismo na carreira.
Nunca afundou completamente, sempre deu a "volta por cima" -título da música de Paulo Vanzolini que é outra marca sua.
"Eu vivo o hoje. Se o hoje não está bom, encaro como se fosse um chato que veio perturbar a minha paciência", diz Elza, que neste ano enfrentou três cirurgias em três meses, uma delas depois que os pontos da anterior abriram e ela teve de ser internada com órgãos à mostra.

Contra "sambinha"
A sinceridade de Elza pode ter lhe custado caro no passado, mas talvez seja sua melhor arma de defesa -ou de contra-ataque.
Grande intérprete de samba, dona de importantes discos do gênero, ela já viu muitos narizes torcidos para as misturas que fez e faz com o jazz e a música pop.
"O samba é maravilhoso, mas meio preconceituoso. Parece que não há o direito de usar, de ousar. Se misturar com hip hop, funk, rock, vamos matar todos eles [estrangeiros], porque o samba é nosso e não há nada igual. Eu não gosto de cantar e ver as pessoas tchec-tchec-tchec [tamborila desanimada com os dedos] na cadeira. Samba é samba mesmo, não sambinha", diz ela, imitando a dicção de Ary Barroso, que odiava a expressão "sambinha".
Elza também não gosta de ver as platéias de seus shows majoritária ou totalmente brancas: "Eu olho e não vejo minha família. Cadê a negrada? Ligo a TV e saltam uns olhos azuis em cima de mim. Esta terra não é minha".
A queixa vem envolta em palavras políticas que, tanto no DVD quanto na entrevista, podem carecer de aprofundamento, mas não de sinceridade.
Ela não tem medo nem de falar mal das cotas nas universidades, bandeira do movimento negro.
"O que precisa ter é boa educação para todos. Senão, você é sub, é menor. Quero direitos iguais para todos", reivindica ela, que canta no DVD "A Carne" (Marcelo Yuka/Seu Jorge/ Wilson Capellete), do verso "A carne mais barata do mercado é a carne negra/ Que vai de graça pro presídio/ E para debaixo do plástico/ E vai de graça pro subemprego", e volta a tocar no assunto ao dizer que gostaria de fazer uma novela.
"Não sei por que nunca me convidaram. Não sabem a atriz que estão perdendo. Mas não tem papel para crioulo em novela. Vão me botar limpando o chão, ralando o joelho?"

Documentário
Por causa dos problemas de saúde e dos shows para lançar CD e DVD, Elza interrompeu as filmagens do documentário de Izabel Jaguaribe (de "Meu Tempo É Hoje", sobre Paulinho da Viola), que deve ser concluído em 2008.
No filme, recordará, por exemplo, quando saiu do Brasil deprimida por causa da morte de seu filho Garrinchinha e passou nove anos nos Estados Unidos (1988-97).
"Já cansei de ouvir que, se eu tivesse nascido lá ou lá ou lá [outros países], não teria para ninguém. Mas aí não teria eu aqui. Meu lugar é aqui", afirma ela, que não assume seus 70 anos ou qualquer outra idade.
"Quando eu cheguei a este planeta, já existia o tempo. Quando eu for embora, vai continuar existindo. Então os números não têm importância", explica. (LUIZ FERNANDO VIANNA)


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