São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2011

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À SOMBRA DO SILÊNCIO

Frances, viúva do diretor Elia Kazan, comenta a turbulenta vida do marido, que terá 9 filmes exibidos em SP

ANA PAULA SOUSA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Na primeira vez em que viu Elia Kazan (1909-2003), a escritora Frances Kazan ficou desconcertada. O homem era incrível, mas, que estranho, ele tinha cara de louco.
Frances e Elia se casaram. E, graças àquela liberdade que só a intimidade dá, ela tocou no assunto: "Que coisa, mesmo dormindo você tem cara de louco...". Kazan, que sabia muito bem que a mulher estava longe de ser a única a pensar isso, respondeu: "Essa é minha cara".
Mas, um dia, as marcas de expressão que davam a Kazan esse ar de louco tornaram-se mais leves, quase imperceptíveis. "Depois de ter concluído sua autobiografia ["A Life", 1988], a doçura que as rugas escondiam apareceu, seu rosto ficou em paz", disse Frances em entrevista à Folha por e-mail.
Frances, companheira de Kazan até sua morte, aos 94 anos, viu o cineasta renascer duas vezes. A primeira foi essa, quando ele concluiu sua autobiografia. A segunda está sendo agora.
Desde o ano passado, quando Martin Scorsese apresentou na tela do Festival de Veneza, o documentário
"Uma Carta para Elia", um novo Kazan parece ter emergido para as gerações atuais. "Gente de todos os lugares do mundo passou a ter, de novo, interesse nos filmes dele", conta Frances.
E um dos lugares que terá a chance de ver, em tela grande e cópias restauradas, os filmes de um dos maiores diretores que o cinema americano conheceu é São Paulo.
Em sua 35ª edição, a partir de 21 de outubro, a Mostra Internacional de Cinema exibirá nove títulos de Kazan. Frances virá à cidade para participar da homenagem.
"Seus filmes se mantêm atuais porque as pessoas sempre enxergam neles suas próprias vidas, seus sonhos e conflitos. São histórias eternas", diz Frances.
O que também será eterno na biografia de Kazan é a marca que os anos de marcathismo deixaram. Acusado de ter delatado os colegas, Kazan atravessou a vida com essa sombra a turvá-lo.
Frances desvia-se do assunto com serenidade. "Nasci e cresci na Inglaterra e, por isso, a era McCarthy não fez parte da minha vida", diz. "Quando o assunto veio à tona, no Oscar de 1999 [que entregou um
Oscar honorário a Kazan], fui pega de surpresa. Elia jamais havia tocado nesse assunto em casa."
Filho de gregos que nasceu em Istambul e tornou-se imigrante nos Estados Unidos, Kazan foi um homem marcado por silêncios. Ele parecia saber que, para "fazer a América", era preciso posicionar-se como um igual.
E foi assim, com a alma cheia de inquietações e a fala contida, que ele mudou, primeiro, o teatro norte-americano -com montagens de "Um Bonde Chamado Desejo" e "Gata em Teto de Zinco Quente", de Tennesee Williams, e "A Morte do Caixeiro-Viajante", de Arthur Miller- e, depois, o cinema.
Tudo o que importava, de fato, Kazan disse com sua câmera realista e com os personagens perturbadores que Marlon Brando encarnou como ninguém.


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