São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

BONS TEMPOS

Para o crítico, revista "Clima" foi espaço para a produção incipiente de intelectuais de importância no país

"Ruy Coelho era excepcional", diz Candido

DA REPORTAGEM LOCAL

"Tempo de Clima" foi lançado ontem à noite, no Centro Cultural Maria Antonia, em São Paulo, ao lado de outra obra de Ruy Coelho (1920-90), "Os Caraíbas Negros de Honduras", ambas pela editora Perspectiva.
O primeiro livro traz textos publicados desde o primeiro número de "Clima", em 1941, até o seu 16º e último, em 1944. O volume foi organizado pelo crítico Antonio Candido, professor aposentado de teoria literária e literatura comparada da USP, em conjunto com a família -Ruy Coelho é pai do crítico de teatro da Folha, Sérgio Salvia Coelho.
Com prefácio da professora Gilda de Mello e Souza, que também atuou na revista, inclui artigos, críticas e crônicas de Coelho sobre cinema, literatura e arte.
"O seu ponto de vista em "Introdução ao Método Crítico" procura associar a análise literária à reflexão filosófica, o que não era corrente no Brasil. E os escritos sobre cinema revelam uma sensibilidade e uma segurança de juízo que explicam porque pouco depois, quando era crítico cinematográfico de "O Diário de São Paulo", Paulo Emilio dizia que era o melhor", afirma Candido.
Já "Os Caraíbas Negros de Honduras" corresponde à tese de doutorado de antropologia que Coelho defendeu nos EUA em 1954. Ele exerceu a carreira de docente em Paris e na USP, onde dirigiu a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
O crítico pondera quanto à certa mitificação da revista que circulava entre São Paulo e Rio de Janeiro, com tiragem de mil exemplares, e que reuniu intelectuais brasileiros de importância em início de carreira. "Clima" não foi nenhum acontecimento decisivo. Era uma boa revista, na qual um grupo de jovens começou a se manifestar intelectualmente, mas o que produziram de mais relevante foi posterior", afirma o crítico literário.
Leia, a seguir, a segunda parte da entrevista feita com Antonio Candido. (VALMIR SANTOS)

Folha - Como o sr. conheceu Ruy Coelho?
Antonio Candido -
Conheci Ruy Coelho quando entramos ambos em 1939 no primeiro ano do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia da USP. Aliás, ele entrou simultaneamente para o de filosofia. Naquele tempo logo me impressionaram nele algumas coisas. Em primeiro lugar a perfeição com que falava francês sem nunca ter saído do Brasil, e isso na faculdade era importante, porque quase todas as nossas aulas eram nessa língua. Outra coisa que me impressionou num rapaz tão moço foi a cultura. As suas leituras já eram extensas em vários setores, e ao comentá-las ficava evidente uma de suas qualidades fundamentais: a capacidade excepcional de concentração. Era também amador bem informado de música, conhecendo muitos compositores clássicos e modernos.
Logo nos juntamos a alguns jovens licenciados, formando um grupo agradável, alegre, de rapazes em moças. Uma das grandes contribuições da faculdade de filosofia foi dar oportunidade às mulheres, que mal participavam das faculdades tradicionais. Saíamos juntos, íamos ao cinema e aos concertos, frequentávamos sobretudo a confeitaria Vienense, na rua Barão de Itapetininga. E passeávamos tranquilos, a qualquer hora, por aquela São Paulo limpa e segura de pouco mais de um milhão de habitantes.

Folha - Seis décadas depois, como o sr. avalia a geração "Clima"?
Candido -
O "grupo de "Clima'" era formado por moças e rapazes em número variáveis, mas só uma minoria trabalhou e escreveu na revista: Antonio Lefèvre, Cícero Cristiano de Sousa, Décio de Almeida Prado, Gilda de Moraes Rocha, Lourival Gomes Machado, Paulo Emílio Salles Gomes, Ruy Coelho e eu. Muitos colaboradores não eram do grupo. Éramos muito ligados afetivamente e exercemos influência uns sobre os outros. Quase todos acabaram se tornando intelectuais conhecidos nos setores em que trabalharam e que começaram a praticar em "Clima". Lembro, por exemplo, Décio na crítica teatral, Lourival na crítica de arte e Paulo Emílio na de cinema. Ruy era, como vimos, um caso especial, escreveu para todas as seções e em todas mostrou capacidade.

Folha - A memória de "Clima" está bem recuperada? O livro vem preencher uma lacuna?
Candido -
É preciso não exagerar. "Clima" não foi nenhum acontecimento decisivo. Era uma boa revista, na qual um grupo de jovens começou a se manifestar intelectualmente, mas o que produziram de mais relevante foi posterior. Como em seguida alguns colaboradores se projetaram, pode haver a tendência de supervalorizar o que fizemos nela. Ruy foi dos que manifestaram mais cedo aquilo de que éramos capazes. Este livro revela nível excepcional para um jovem de 20 anos, naquele meio ainda provinciano que era São Paulo.


TEMPO DE CLIMA - Autor: Ruy Coelho. Org.: Antonio Candido e Sociedade Científica dos Estudos da Arte. Prefácio: Gilda de Mello e Souza. Lançamento: editora Perspectiva. Quanto: R$ 15 (140 págs.).


OS CARAÍBAS NEGROS DE HONDURAS - Autor: Ruy Coelho. Lançamento: editora Perspectiva. Quanto: R$ 20 (216 págs.). Na internet: www.editoraperspectiva.com.br




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