São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"CARTAS NA MESA"

Volume reúne cartas a Paulo Mendes, Otto Lara e Hélio Pellegrino

Sabino restitui os "Quatro Mineiros do Apocalipse"

DA REPORTAGEM LOCAL

Mário de Andrade, autor inconteste da correspondência mais importante da intelectualidade moderna brasileira, vaticinou em carta de 1944 a Fernando Sabino, então com 21 anos: "...o Hélio, o Otto, o Paulo são os únicos amigos que podem salvar você".
Até hoje nem o próprio Sabino deve saber se "se salvou", mas o certo é que o autor de "Encontro Marcado" acaba de dar importante cartada para salvaguardar a riqueza dessa amizade.
Hélio, Otto e Paulo, ou Hélio Pellegrino (1924-88), Otto Lara Resende (1922-92) e Paulo Mendes Campos (1922-91), formaram com Sabino um dos grandes quartetos da história das letras nacionais. E o relacionamento desses chamados "Quatro Mineiros do Apocalipse" tem a partir desta semana um livro só para ele.
Em "Cartas na Mesa", que a editora Record está lançando, Fernando Sabino reúne 50 anos de correspondências enviadas ao trio de conterrâneos.
O volume traz 134 cartas, postadas entre 1943, quando o escritor esquadrinhava o tédio de um período como interno no Esquadrão de Cavalaria de Juiz de Fora (MG), e 1992, com Sabino teclando: "Deus te proteja e abençoe, Otto Lara Resende -que jamais na vida precisou de se voltar, ao ouvir um xingamento atrás de si".
Pelas entranhas desse meio século de cartas, longas e inflamadas ou sutis e concisas como o bilhete "Otto, resolvi acabar com meus três maiores vícios: beber, procurar você e fumar. Já parei de beber. Agora só falta parar de fumar", passeiam não apenas os bastidores criativos de quatro grandes autores brasileiros.
"Cartas na Mesa" serve com generosidade flashes de um dos cenários mais férteis da história da literatura brasileira: as idas e vindas entre Minas Gerais e Rio de Janeiro de uma geração que começa com o centenário Carlos Drummond de Andrade e segue viva com Sabino e poucos mais.
Essa meada, que tem seu fio bem desenrolado no livro "O Desatino da Rapaziada" (Companhia das Letras), do jornalista Humberto Werneck, ganha no volume de cartas seu perfil mais irreverente. E irreverência, grafa Sabino em texto de apresentação, era a maior marca comum no quarteto do livro. Irreverência e contrariedade contra convenções e institucionalizações: ainda que fosse da própria amizade dos quatro "Nunca conseguimos como amigos fazer juntos nada de útil, com a graça de Deus".
"Cartas na Mesa" mostra que eles até tentaram. Em carta de 1945, Fernando Sabino manda a Otto, seu interlocutor mais assíduo, as diretrizes de uma nova revista literária. "Caderno de Exercícios" deveria estrear com um "episódio" narrativo de Sabino, poemas de Hélio, um estudo sobre a poesia, de Paulo, e "exercícios", de Otto. Não foi adiante.
"Peripatéticos", como eles se tratavam, em referência às intermináveis caminhadas da juventude em Belo Horizonte (que terminavam sempre no mesmo banco da Praça da Liberdade, onde brincavam de "puxar angústia"), o quarteto nem mergulhou de todo na vocação literária. Otto Lara acabou se desviando mais para o jornalismo (incluindo coluna na Folha), e Hélio, para a psicanálise.
Sabino, que em carta para Otto traduz o seguinte trecho de Scott Fitzgerald "O escritor só consegue realizar sua habilidade de transferir emoções a outra pessoa através do expediente desesperado e radical de arrancar do coração a trágica história de seu primeiro amor e expô-las nas páginas para que os outros vejam", seguiu à risca os mandamentos do autor de "O Grande Gatsby". Em "Cartas na Mesa" expõe outra vez um seu "primeiro amor". A amizade com Otto, Hélio e Paulo.
(CASSIANO ELEK MACHADO)


CARTAS NA MESA. Autor: Fernando Sabino. Editora: Record. Quanto: R$ 35 (336 páginas).




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