|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
"CARTAS NA MESA"
Volume reúne cartas a Paulo Mendes, Otto Lara e Hélio Pellegrino
Sabino restitui os "Quatro Mineiros do Apocalipse"
DA REPORTAGEM LOCAL
Mário de Andrade, autor inconteste da correspondência mais
importante da intelectualidade
moderna brasileira, vaticinou em
carta de 1944 a Fernando Sabino,
então com 21 anos: "...o Hélio, o
Otto, o Paulo são os únicos amigos que podem salvar você".
Até hoje nem o próprio Sabino
deve saber se "se salvou", mas o
certo é que o autor de "Encontro
Marcado" acaba de dar importante cartada para salvaguardar a riqueza dessa amizade.
Hélio, Otto e Paulo, ou Hélio Pellegrino (1924-88), Otto Lara Resende (1922-92) e Paulo Mendes
Campos (1922-91), formaram
com Sabino um dos grandes
quartetos da história das letras
nacionais. E o relacionamento
desses chamados "Quatro Mineiros do Apocalipse" tem a partir
desta semana um livro só para ele.
Em "Cartas na Mesa", que a editora Record está lançando, Fernando Sabino reúne 50 anos de
correspondências enviadas ao
trio de conterrâneos.
O volume traz 134 cartas, postadas entre 1943, quando o escritor
esquadrinhava o tédio de um período como interno no Esquadrão de Cavalaria de Juiz de Fora
(MG), e 1992, com Sabino teclando: "Deus te proteja e abençoe,
Otto Lara Resende -que jamais
na vida precisou de se voltar, ao
ouvir um xingamento atrás de si".
Pelas entranhas desse meio século de cartas, longas e inflamadas ou sutis e concisas como o bilhete "Otto, resolvi acabar com
meus três maiores vícios: beber,
procurar você e fumar. Já parei de
beber. Agora só falta parar de fumar", passeiam não apenas os
bastidores criativos de quatro
grandes autores brasileiros.
"Cartas na Mesa" serve com generosidade flashes de um dos cenários mais férteis da história da
literatura brasileira: as idas e vindas entre Minas Gerais e Rio de
Janeiro de uma geração que começa com o centenário Carlos
Drummond de Andrade e segue
viva com Sabino e poucos mais.
Essa meada, que tem seu fio
bem desenrolado no livro "O Desatino da Rapaziada" (Companhia das Letras), do jornalista
Humberto Werneck, ganha no
volume de cartas seu perfil mais
irreverente. E irreverência, grafa
Sabino em texto de apresentação,
era a maior marca comum no
quarteto do livro. Irreverência e
contrariedade contra convenções
e institucionalizações: ainda que
fosse da própria amizade dos quatro "Nunca conseguimos como
amigos fazer juntos nada de útil,
com a graça de Deus".
"Cartas na Mesa" mostra que
eles até tentaram. Em carta de
1945, Fernando Sabino manda a
Otto, seu interlocutor mais assíduo, as diretrizes de uma nova revista literária. "Caderno de Exercícios" deveria estrear com um
"episódio" narrativo de Sabino,
poemas de Hélio, um estudo sobre a poesia, de Paulo, e "exercícios", de Otto. Não foi adiante.
"Peripatéticos", como eles se
tratavam, em referência às intermináveis caminhadas da juventude em Belo Horizonte (que terminavam sempre no mesmo banco
da Praça da Liberdade, onde brincavam de "puxar angústia"), o
quarteto nem mergulhou de todo
na vocação literária. Otto Lara
acabou se desviando mais para o
jornalismo (incluindo coluna na
Folha), e Hélio, para a psicanálise.
Sabino, que em carta para Otto
traduz o seguinte trecho de Scott
Fitzgerald "O escritor só consegue
realizar sua habilidade de transferir emoções a outra pessoa através
do expediente desesperado e radical de arrancar do coração a trágica história de seu primeiro amor e
expô-las nas páginas para que os
outros vejam", seguiu à risca os
mandamentos do autor de "O
Grande Gatsby". Em "Cartas na
Mesa" expõe outra vez um seu
"primeiro amor". A amizade com
Otto, Hélio e Paulo.
(CASSIANO ELEK MACHADO)
CARTAS NA MESA. Autor: Fernando
Sabino. Editora: Record. Quanto: R$ 35
(336 páginas).
Texto Anterior: Rodapé - Nelson Ascher: O "Tao" da net Próximo Texto: Trecho Índice
|