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"O ESPELHO PARTIDO"
Marques Rebelo recolhe pedaços de tempo estilhaçado em diários
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REDAÇÃO
Embora a forma encontrada
por Marques Rebelo para escrever suas confissões na trilogia
"O Espelho Partido" tenha sido a
do diário, a obra não chega a ser
um exemplo do gênero, como
também não se completa em romance, conto, crônica ou poesia.
Em mosaico, elementos desses diversos gêneros retratam uma vida
e um tempo em estilhaços.
É no lírico "O Trapicheiro" (59),
primeiro tomo da série e que
aborda de 1936 a 1938, que estão
reunidas as lembranças de infância desse escritor carioca que nasceu Edi Dias da Cruz (1907-1973)
e, antes de se dedicar às memórias, foi jornalista e autor de crônicas e romances urbanos.
As recordações dos tempos em
que vivia no Trapicheiro, as rixas
escolares com Emanuel, seu irmão, e as paqueras assaltam o
narrador-autor entre os registros
de suas atividades diárias, como
as crises que marcam a confecção
de seu romance mais conhecido,
"A Estrela Sobe" (1939).
Emaranhado de tempo, as linhas de Rebelo são também uma
babel de personagens. Lenisa
Maier, por exemplo, cantora de
rádio protagonista de "A Estrela
Sobe", circula próxima ao escritor, ele mesmo nem Marques,
nem Edi, mas Eduardo. Trocando
nomes de amigos e conhecidos,
Rebelo fica livre para criticar,
apoiar ou dar um tom de ficção às
histórias vividas, muitas vezes
transcritas na forma de diálogos.
Interessante é a narração do
momento político que toma conta do país e do mundo, desde o Estado Novo de Getúlio Vargas até a
Segunda Guerra Mundial. Presente nas discussões dos amigos, a
política do período ganha sua história a partir de um ponto de vista
privado e intelectualizado.
À diferença de um simples diário em que são registrados os
acontecimentos dos dias, na
maioria das vezes secamente e
sem uma preocupação formal, as
anotações de Rebelo demonstram
um cuidado próprio da construção literária. Isso fica marcado no
ritmo de frases e parágrafos aos
moldes da poesia, na escolha minuciosa do vocabulário, no encadeamento das anotações -na
maioria das vezes irônico- e
também na confusão entre acontecimentos íntimos e externos.
Essa última característica é evidente em "A Mudança" (62), que
cobre de 1939 a 1941. A eclosão da
guerra é mostrada em paralelo
com a perda da amante Catarina.
Ao mesmo tempo, as recordações
do serviço militar e as brigas com
o irmão diplomata acompanham
as notícias da guerra.
Em meio a essas mudanças, aumenta a participação de um personagem que pouco aparece no
primeiro tomo: o espelho. Espécie
de alter ego bufão, ele passa a fazer parte da vida do escritor.
Aquele olhar que sempre tentou
se encontrar por meio das linhas
que rabisca em cadernos durante
a noite, e que viriam a ser o diário,
agora encontra no espelho o peso
dos anos. Se, no final do segundo
volume, a vontade de destruir as
anotações faz parte dessa perturbação, o terceiro tomo é sombrio.
"A Guerra Está em Nós" (68),
cujas anotações remetem aos
anos de 1942 a 1944, está marcada
pela introspecção. As lembranças
de Catarina e outros casos amorosos são apenas um dos aspectos,
junto com o desencanto diante da
nova geração, despolitizada e sem
interesses intelectuais, que concorrem para o amargor do autor.
Originariamente programado
para sete volumes, "O Espelho
Partido", devido à morte de Rebelo, acabou sendo uma trilogia
com algumas anotações extras do
que seria o quarto tomo, "A Paz
Não É Branca", que estão editadas
com "A Guerra Está em Nós".
O resultado é um desenho em
fragmentos, feito com estilhaços
de gêneros literários, de uma época e da própria vida do escritor
neste que "é tempo de partido,/
tempo de homens partidos", para
lembrar os versos de Carlos
Drummond de Andrade, seu contemporâneo e personagem.
O Trapicheiro
Quanto: R$ 48 (504 págs.)
A Mudança
Quanto: R$ 48 (592 págs.)
A Guerra Está em Nós
Quanto: R$ 49 (608 págs.)
Autor: Marques Rebelo
Editora: Nova Fronteira
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