São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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CRÍTICA

Ghobadi coloca a vida no caminho das adversidades

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Às vezes o "eixo do mal" desloca-se rapidamente. Para os americanos de hoje, ele é o Iraque de Sadam. Para os de alguns anos atrás, era o Irã, de modo que as mulheres desfiguradas por bombas químicas de "Exílio no Iraque" não importavam muito para o país a quem os iranianos denominavam de "o grande Satã".
No meio disso tudo ficam os curdos. Mais precisamente, eles ficam na região de fronteira entre Irã e Iraque. Nenhum dos dois governos se preocupa demais com seu destino. Nem o dos EUA.
Eles preocupam a Bahman Ghobadi, diretor de "Tempo de Embebedar Cavalos", que agora em "Exílio no Iraque" narra a história do velho músico Mirza, que, em companhia de dois filhos, também músicos, parte em busca de Hanareh, sua ex-mulher, que estaria agora no lado iraquiano.
O trajeto é, a rigor, um relato da destruição desse povo. Relato antes de tudo geográfico, pois se trata de uma região gelada e árida. Essa aridez pode ser duplicada pela destruição (estamos no momento da guerra Irã-Iraque).
O que temos a ver, em princípio, são campos de refugiados, aldeias que se tornaram desertos, órfãos, assaltantes de estrada. A morte, em uma palavra. Ao mesmo tempo, há a presença persistente da vida: casamentos, paqueras etc.
É daí que vem, em boa parte, o encanto de "Exílio no Iraque", assim como do seco tratamento de Ghobadi aos dramas que se de- senrolam aos nossos olhos. Parece tratar-se não só de uma opção estética (característica, no mais, do recente cinema iraniano) como da constatação de falta de tempo para verter lágrimas: em meio a desgraças que podem ser tanto pessoais como coletivas, ali tudo parece ser regido por um sólido instinto de sobrevivência.
E é daí que vem a vitalidade do filme de Ghobadi. Se a arte da digressão não é tão desenvolvida quanto em um Kiarostami, por exemplo, o diretor revela uma acentuada capacidade de usar o humor como forma de equilibrar o relato, evitando que ele se torne um rosário de desgraças, ou antes, fazendo com que a própria vida -e seus acasos- se sobreponha às muitas adversidades que vitimam os curdos.


Avaliação:    

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