São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP

"EXÍLIO NO IRAQUE"

Segundo filme do autor de "Tempo de Embebedar Cavalos" exibe reflexos da guerra no Curdistão

Diretor curdo filma para falar de sua dor

Divulgação
Cena de "Exílio no Iraque", do diretor Bahman Ghobadi, que venceu a edição 2000 da Mostra de São Paulo com seu longa de estréia


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando a alta madrugada adormecia a vigilância na fronteira do Irã com o Iraque, o cineasta curdo Bahman Ghobadi e sua equipe atravessavam para o lado de lá.
Ele queria fazer um filme sobre como vivem os cidadãos de sua etnia na região dominada pelo ditador Saddam Hussein. O resultado das cinco semanas de travessias diárias e filmagens clandestinas está em "Exílio no Iraque".
Com "Tempo de Embebedar Cavalos", seu longa de estréia, Ghobadi, 33, venceu a Mostra em 2000. O título ganhou outros nove prêmios internacionais e deu ao diretor a convicção de que poderia passar a vida no Irã fazendo filmes "de arte" para o mercado estrangeiro, se quisesse. Não queria.
"Tenho necessidade de mostrar a minha dor; a dor da minha família", disse Ghobadi à Folha, em São Paulo, para onde veio ver a Mostra, antes de partir para o terceiro longa -agora sobre a situação dos curdos na Turquia.
O diretor enumera o que lhe dói: "Eu vi a guerra. Um tio meu foi assassinado. Depois outro. E em seguida três primos. Minha irmã foi ferida. Outro tio perdeu os dois pés. Senti na pele a dificuldade de viver do Curdistão".
Expressá-la através do cinema significa, para ele, mais que a chance de purgar os sentimentos. "A câmera é uma arma com poder de influência. O poder do cinema é maior que o das guerras. O poderio dos Estados Unidos está em seus filmes e em Hollywood, sua grande propaganda."
Nascido em Baneh, "cidade em que quase 40% da população foi dizimada em bombardeios", Ghobadi vive atualmente em Teerã, para estar mais próximo da infra-estrutura de produção cinematográfica. Ele diz que gostaria de falar muito mais do que tem dito em seus filmes, mas é frustrado pela censura às manifestações artísticas que persiste em seu país.
"Isso é tão nocivo que eu já me autocensuro antes de começar um filme." De que temas queria tratar? "Precisamente, de temas sobre os quais não posso falar."

Visto negado
Este mês, Ghobadi teve seu pedido de visto negado pelos Estados Unidos. Ele participaria do 32º Festival de Fort Lauderdale, que exibiu "Exílio no Iraque".
O cineasta afirma que os Estados Unidos "não entendem nada sobre o Oriente Médio e que a população do Irã vive sob uma dupla ditadura -a de Saddam e a americana". "Os norte-americanos falam muito em democracia, mas não praticam o que dizem."
"Exílio no Iraque" lança mão de uma simbologia para se referir ao Curdistão (território de cerca de 530 mil km² de maioria curda na Turquia, Irã, Iraque, Síria, Azerbaijão e Armênia). Três músicos de uma família partem em busca da ex-mulher do patriarca, que estaria em perigo no Iraque.
"A mulher, para mim, simboliza o Curdistão. No filme há uma busca por ela, que não chega a ser vista. No entanto vemos sua filha, forte e saudável. Ou seja, existe uma possibilidade de renascer."


EXÍLIO NO IRAQUE - Direção: Bahman Ghobadi. Produção: Irã, 2001. Com: Shahab Ebrahimi, Allah-Morad Rashtian. Quando: hoje, às 17h25, no Cinesesc; amanhã, às 19h40, e segunda, às 19h30, no Unibanco Arteplex.

Acompanhe pela internet em www.folha.com.br/especial/2002/mostrabrdecinema




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