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HQ
Série "Persépolis", de Marjane Satrapi, relata os acontecimentos de 1979 sob o ponto de vista de uma garota de dez anos
Revolução Islâmica no Irã é revivida nos quadrinhos
SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO
Ser pré-adolescente tem lá os
seus percalços. Mas ser pré-adolescente, do sexo feminino, em
um país islâmico sob uma revolução conservadora de seus costumes, convenhamos, é um tanto
mais complicado.
Essa mescla de momento histórico e descoberta pessoal do mundo foi traduzida pela iraniana
Marjane Satrapi para o universo
dos quadrinhos em "Persépolis",
série que só na França vendeu 250
mil cópias e vem arrancando elogios até nos EUA, onde Irã muitas
vezes rima com "eixo do mal".
Filha de intelectuais e educada
até então fora do âmbito religioso,
a autora tinha dez anos quando o
aiatolá Khomeini subiu ao poder
e colocou o islamismo xiita na ordem do dia.
De uma hora para outra, a jovem Marjane se viu obrigada a
usar o véu na escola e estar separada de amigos com quem convivia em colégios mistos.
Fundamentalismo
Esse choque de valores dá início
a "Persépolis", mas logo Satrapi se
concentra nos bastidores pré-revolução de 1979, quando não se
sabia que o movimento desaguaria no fundamentalismo. Na época, ainda se lutava pelo restabelecimento de uma democracia
combalida por anos de interferência estrangeira.
Com traços simples e em preto-e-branco (só lembrando, tudo isso é contado em quadrinhos), a
iraniana relata massacres e torturas ocorridos em turbulentos capítulos da história iraniana entrecortados por tiradas de um humor infantil -afinal, é a visão de
uma garota de dez anos.
Através de um falar frenético
envolto em um inglês articulado,
Satrapi conta à Folha, em entrevista por telefone, que fazer graça
era um meio necessário para encarar a vida naqueles tempos.
"Quando as coisas se tornam
muito difíceis, e você não quer
simplesmente se abandonar à
morte, a única maneira é rir. Para
as pessoas do meu país se tornou
uma forma de sobrevivência", diz
a quadrinista, de Paris, onde vive
há dez anos.
Exílio
A segunda parte de Persépolis
-que será lançada no Brasil em
janeiro- mostra Satrapi aos 14
anos em Viena, Áustria, onde passa um tempo em um internato administrado por freiras, com o intuito de esperar as coisas esfriarem no Irã.
Mas a garota logo experimentará a rotina como sem-teto e o fácil
acesso às drogas. Uma passagem
de sua vida que seus pais conheceram da mesma forma que todos
os outros leitores.
"Eles realmente ficaram muito
tristes, acharam que eu deveria ter
contado tudo isso bem antes, mas
tudo ficaria muito mais complicado se eles tivessem consciência do
que eu estava passando", diz.
A autora fez uma tentativa de se
reintegrar à sociedade de Teerã
depois da Europa, chegando a ter
um marido iraniano do qual se divorciaria mais tarde.
Após ter ainda morado em Estrasburgo (França) e na Suécia,
ela constrói uma imagem curiosa
do que se formou da intensidade
vivida com experiências culturais
tão diferentes.
"Eu digo que o Irã é a minha
mãe e a França é a minha mulher.
Minha mãe pode ser qualquer
coisa, eu vou amá-la de qualquer
jeito. Já com a minha mulher, é
como acontece na vida, há a possibilidade de eu conhecer outras
pessoas e tudo mudar", explica a
quadrinista.
PERSÉPOLIS. Autora: Marjane Satrapi.
Tradução: Paulo Werneck. Editora:
Companhia das Letras. Quanto: R$ 27 (80
páginas)
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