São Paulo, terça-feira, 26 de outubro de 2004

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HQ

Série "Persépolis", de Marjane Satrapi, relata os acontecimentos de 1979 sob o ponto de vista de uma garota de dez anos

Revolução Islâmica no Irã é revivida nos quadrinhos

SHIN OLIVA SUZUKI
DA REDAÇÃO

Ser pré-adolescente tem lá os seus percalços. Mas ser pré-adolescente, do sexo feminino, em um país islâmico sob uma revolução conservadora de seus costumes, convenhamos, é um tanto mais complicado.
Essa mescla de momento histórico e descoberta pessoal do mundo foi traduzida pela iraniana Marjane Satrapi para o universo dos quadrinhos em "Persépolis", série que só na França vendeu 250 mil cópias e vem arrancando elogios até nos EUA, onde Irã muitas vezes rima com "eixo do mal".
Filha de intelectuais e educada até então fora do âmbito religioso, a autora tinha dez anos quando o aiatolá Khomeini subiu ao poder e colocou o islamismo xiita na ordem do dia.
De uma hora para outra, a jovem Marjane se viu obrigada a usar o véu na escola e estar separada de amigos com quem convivia em colégios mistos.

Fundamentalismo
Esse choque de valores dá início a "Persépolis", mas logo Satrapi se concentra nos bastidores pré-revolução de 1979, quando não se sabia que o movimento desaguaria no fundamentalismo. Na época, ainda se lutava pelo restabelecimento de uma democracia combalida por anos de interferência estrangeira.
Com traços simples e em preto-e-branco (só lembrando, tudo isso é contado em quadrinhos), a iraniana relata massacres e torturas ocorridos em turbulentos capítulos da história iraniana entrecortados por tiradas de um humor infantil -afinal, é a visão de uma garota de dez anos.
Através de um falar frenético envolto em um inglês articulado, Satrapi conta à Folha, em entrevista por telefone, que fazer graça era um meio necessário para encarar a vida naqueles tempos.
"Quando as coisas se tornam muito difíceis, e você não quer simplesmente se abandonar à morte, a única maneira é rir. Para as pessoas do meu país se tornou uma forma de sobrevivência", diz a quadrinista, de Paris, onde vive há dez anos.

Exílio
A segunda parte de Persépolis -que será lançada no Brasil em janeiro- mostra Satrapi aos 14 anos em Viena, Áustria, onde passa um tempo em um internato administrado por freiras, com o intuito de esperar as coisas esfriarem no Irã.
Mas a garota logo experimentará a rotina como sem-teto e o fácil acesso às drogas. Uma passagem de sua vida que seus pais conheceram da mesma forma que todos os outros leitores.
"Eles realmente ficaram muito tristes, acharam que eu deveria ter contado tudo isso bem antes, mas tudo ficaria muito mais complicado se eles tivessem consciência do que eu estava passando", diz.
A autora fez uma tentativa de se reintegrar à sociedade de Teerã depois da Europa, chegando a ter um marido iraniano do qual se divorciaria mais tarde.
Após ter ainda morado em Estrasburgo (França) e na Suécia, ela constrói uma imagem curiosa do que se formou da intensidade vivida com experiências culturais tão diferentes.
"Eu digo que o Irã é a minha mãe e a França é a minha mulher. Minha mãe pode ser qualquer coisa, eu vou amá-la de qualquer jeito. Já com a minha mulher, é como acontece na vida, há a possibilidade de eu conhecer outras pessoas e tudo mudar", explica a quadrinista.


PERSÉPOLIS. Autora: Marjane Satrapi. Tradução: Paulo Werneck. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 27 (80 páginas)


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