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31ª Mostra de SP
"Filme é metáfora sobre guerra no Iraque"
Gus van Sant afirma que acidente de trem e culpa em "Paranoid Park" remetem à presença americana no Oriente Médio
Diretor diz que buscou enfrentar convenções dramáticas ao filmar história de adolescente que precisa confrontar os que o cercam
Divulgação
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Gabe Nevins em cena do novo filme do diretor norte-americano, premiado pelo júri em Cannes |
DA REPORTAGEM LOCAL
Em "Paranoid Park", o cineasta americano Gus van Sant
volta a abordar um tema caro à
sua filmografia: a adolescência.
No novo filme, o diretor conta a
história de um jovem que mata
um guarda por engano, nas proximidades do tal "parque paranóico" do título, ponto de atração de skatistas de Portland.
Definido por Van Sant como
"um "Crime e Castigo" no mundo do skate", o filme recebeu
um prêmio especial do júri no
último Festival de Cannes. O
longa tem sessões a partir de
hoje na Mostra de SP e entra
em cartaz no país em 11/1. Leia
a seguir uma entrevista com o
diretor, publicada anteontem
no diário francês "Le Monde".
PERGUNTA - Com "Paranoid Park",
o sr. quer retornar ao terreno entre a
adolescência e a idade adulta?
GUS VAN SANT - O que me atraiu
foi sobretudo a obsessão do
personagem, o sentimento de
culpa nascido de um momento
único em sua vida. Eu nunca tinha tratado desse assunto.
Nem do divórcio dos pais.
PERGUNTA - O sr. estuda o sentimento de culpa num momento em
que se poderia dizer que todos nos
EUA são culpados por alguma coisa.
VAN SANT - Sim. O acidente do
trem é uma boa metáfora para
falar de nossa presença no Iraque. E é sem dúvida disso que
Blake Nelson, autor do romance [que inspirou o longa], falava
no livro. Ele o escreveu há dois
ou três anos; a guerra no Iraque
já tinha começado.
PERGUNTA - O sr. acha tal sentimento de culpa mais interessante
quando vivido por um adolescente?
VAN SANT - Sim, devido à inocência dessa idade. Outros filmes já trataram disso, com personagens mais velhos. Eu me
recordo de "Miragem", com
Gregory Peck [dirigido por Edward Dmytryk em 1965]. O personagem vive um incidente
violento e perde a memória. Ao
longo do filme ele vai se dando
conta do que aconteceu.
Vi o filme no colégio. Era
muito bom. Lembro que um
amigo não gostou, porque o
personagem não sabia quem
era. A questão não é de culpa,
mas de ignorância. Até você me
fazer essa pergunta, eu não tinha pensado nisso. Mas, nesse
filme, Peck reencontra seus
amigos e precisa reconstituir
sua vida. Em meu filme, o personagem também precisa confrontar os que o cercam.
PERGUNTA - Por que decidiu mostrar o acidente tão explicitamente?
VAN SANT - Porque o personagem pensa nessa cena o tempo
todo. É o fio condutor do filme.
PERGUNTA - Ela é tão sangrenta
que destoa no filme.
VAN SANT - Eu queria que ela
fosse suficientemente forte para afetar o filme inteiro. Por isso ela é explícita. Não falei com
os atores sobre as questões morais em jogo no roteiro. Eles já
tinham seus problemas próprios; me falaram do que estavam vivendo. Em alguns casos,
o que acontecera com eles era
mais estranho e misterioso do
que o que havia no filme.
PERGUNTA - A maneira como o sr.
rodou "Paranoid Park" é muito diferente da de "Gerry", "Elefante" ou
"Last Days"?
VAN SANT - Sim. Esses três filmes eram definidos por conceitos muito rígidos. "Paranoid
Park" era muito aberto. Fizemos o que queríamos. Não nos
prendemos ao estilo.
PERGUNTA - Esse filme aparece como um meio-termo entre "Elefante" e seus filmes hollywoodianos,
como "Gênio Indomável".
VAN SANT - Sem dúvida. Encontramos convenções dramáticas
e buscamos enfrentá-las. "Last
Days", "Elefante" e "Gerry" foram austeros pela maneira como foram filmados. Há filmes
cuja história é austera, mas que
são rodados de forma convencional. Não sei se você se recorda de "Vingança e Sedução", de
Abel Ferrara. É a história de
uma mulher que foi violentada
e planeja vingança. O roteiro é
tão austero quanto o de "Last
Days", mas a maneira como filma, um pouco como "Taxi Driver", é muito tradicional. Como
"Repulsa ao Sexo", de Polanski,
cuja trama é austera, mas a narrativa, tradicional. São dois filmes belos, mas que não surpreendem o público pelo estilo.
Tradução de CLARA ALLAIN
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