São Paulo, sexta-feira, 26 de outubro de 2007

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31ª Mostra de SP

"Filme é metáfora sobre guerra no Iraque"

Gus van Sant afirma que acidente de trem e culpa em "Paranoid Park" remetem à presença americana no Oriente Médio

Diretor diz que buscou enfrentar convenções dramáticas ao filmar história de adolescente que precisa confrontar os que o cercam

Divulgação
Gabe Nevins em cena do novo filme do diretor norte-americano, premiado pelo júri em Cannes


DA REPORTAGEM LOCAL

Em "Paranoid Park", o cineasta americano Gus van Sant volta a abordar um tema caro à sua filmografia: a adolescência. No novo filme, o diretor conta a história de um jovem que mata um guarda por engano, nas proximidades do tal "parque paranóico" do título, ponto de atração de skatistas de Portland.
Definido por Van Sant como "um "Crime e Castigo" no mundo do skate", o filme recebeu um prêmio especial do júri no último Festival de Cannes. O longa tem sessões a partir de hoje na Mostra de SP e entra em cartaz no país em 11/1. Leia a seguir uma entrevista com o diretor, publicada anteontem no diário francês "Le Monde".

 

PERGUNTA - Com "Paranoid Park", o sr. quer retornar ao terreno entre a adolescência e a idade adulta?
GUS VAN SANT -
O que me atraiu foi sobretudo a obsessão do personagem, o sentimento de culpa nascido de um momento único em sua vida. Eu nunca tinha tratado desse assunto. Nem do divórcio dos pais.

PERGUNTA - O sr. estuda o sentimento de culpa num momento em que se poderia dizer que todos nos EUA são culpados por alguma coisa.
VAN SANT -
Sim. O acidente do trem é uma boa metáfora para falar de nossa presença no Iraque. E é sem dúvida disso que Blake Nelson, autor do romance [que inspirou o longa], falava no livro. Ele o escreveu há dois ou três anos; a guerra no Iraque já tinha começado.

PERGUNTA - O sr. acha tal sentimento de culpa mais interessante quando vivido por um adolescente?
VAN SANT -
Sim, devido à inocência dessa idade. Outros filmes já trataram disso, com personagens mais velhos. Eu me recordo de "Miragem", com Gregory Peck [dirigido por Edward Dmytryk em 1965]. O personagem vive um incidente violento e perde a memória. Ao longo do filme ele vai se dando conta do que aconteceu. Vi o filme no colégio. Era muito bom. Lembro que um amigo não gostou, porque o personagem não sabia quem era. A questão não é de culpa, mas de ignorância. Até você me fazer essa pergunta, eu não tinha pensado nisso. Mas, nesse filme, Peck reencontra seus amigos e precisa reconstituir sua vida. Em meu filme, o personagem também precisa confrontar os que o cercam.

PERGUNTA - Por que decidiu mostrar o acidente tão explicitamente?
VAN SANT -
Porque o personagem pensa nessa cena o tempo todo. É o fio condutor do filme.

PERGUNTA - Ela é tão sangrenta que destoa no filme.
VAN SANT -
Eu queria que ela fosse suficientemente forte para afetar o filme inteiro. Por isso ela é explícita. Não falei com os atores sobre as questões morais em jogo no roteiro. Eles já tinham seus problemas próprios; me falaram do que estavam vivendo. Em alguns casos, o que acontecera com eles era mais estranho e misterioso do que o que havia no filme.

PERGUNTA - A maneira como o sr. rodou "Paranoid Park" é muito diferente da de "Gerry", "Elefante" ou "Last Days"?
VAN SANT -
Sim. Esses três filmes eram definidos por conceitos muito rígidos. "Paranoid Park" era muito aberto. Fizemos o que queríamos. Não nos prendemos ao estilo.

PERGUNTA - Esse filme aparece como um meio-termo entre "Elefante" e seus filmes hollywoodianos, como "Gênio Indomável".
VAN SANT -
Sem dúvida. Encontramos convenções dramáticas e buscamos enfrentá-las. "Last Days", "Elefante" e "Gerry" foram austeros pela maneira como foram filmados. Há filmes cuja história é austera, mas que são rodados de forma convencional. Não sei se você se recorda de "Vingança e Sedução", de Abel Ferrara. É a história de uma mulher que foi violentada e planeja vingança. O roteiro é tão austero quanto o de "Last Days", mas a maneira como filma, um pouco como "Taxi Driver", é muito tradicional. Como "Repulsa ao Sexo", de Polanski, cuja trama é austera, mas a narrativa, tradicional. São dois filmes belos, mas que não surpreendem o público pelo estilo.


Tradução de CLARA ALLAIN

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