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CARLOS HEITOR CONY
Rodin, o Michelangelo dos Pobres
Se Rodin tivesse vivido na Renascença, criaria melhor. Mas viveu com o tédio da burguesia
ASSIM COMO chamaram Puccini de "o Lehár dos ricos", o escultor francês Auguste Rodin
pode ser chamado de "o Michelangelo dos pobres". Tanto um como
outro recebem restrições dos entendidos, mas, curiosamente, são mais
amados do que os modelos originais.
Puccini começou pelo alto, mas
sua tendência era popularizar-se,
compor para a plebe, com a gloriosa
exceção de "Turandot".
Rodin fez trajetória oposta: da plebe chegou à elite. Muitos o acusam
de ser uma tentativa de cópia do gênio florentino. Respeitadas as épocas, há influências poderosas de um
sobre o outro.
O primeiro viveu na Renascença,
no apogeu do retorno ao classicismo: quando viu pela primeira vez o
famoso torso do Belvedere, Michelangelo descobriu que tudo o que fizera, até então, nada valia.
O mesmo aconteceria com Rodin:
ao descobrir Michelangelo repudiou
o que antes aprendera com Carpeaux e, mais tarde, com Carrier-Beleuse, em cujo estúdio fizera sua
iniciação. Ele próprio, imitando o
modelo renascentista, faria inúmeras cópias de um torso bastante
aproximado ao de Belvedere.
Com os anos, Rodin permaneceu
fiel às paixões iniciais, mas adquiriu
outras. E, acima de tudo, paixão pelas mulheres. Seduziu várias ao mesmo tempo, e pelo menos num caso,
teria provocado uma tragédia. Relacionando-se com suas modelos e
alunas, levou uma delas à loucura.
Camille Claudel fora sua assistente, aluna, modelo e amante. Passaria
os últimos 30 anos de sua vida num
hospício. Como os deuses, os gênios
enlouquecem aqueles que querem
perder.
Filho de operários, chegou a pensar em ser frade, foi um jovem torturado e deprimido pelo fato de ser pobre. Quando se dedicou à escultura,
teve um início medíocre, com suas
obras recusadas nos salões e ignoradas pelos potenciais compradores.
Até que veio a viagem à Itália, a descoberta de Donatello, Dante e Michelangelo. A partir daí, não mais lhe
faltaram temas e inspiração.
Extraordinariamente dotado para
a forma, fiel às linhas essenciais do
corpo humano, chegou a ser acusado de usar, como modelo, um corpo
vivo, que ele teria moldado com gesso para obter a fôrma que receberia
o bronze: um ótimo roteiro para filme com Vincent Price. Só assim se
explicaria a minúcia dos detalhes e a
exatidão anatômica.
A lenda o acompanhou durante algum tempo, a princípio como condenação, mais tarde como exaltação.
Se Rodin tivesse vivido na Renascença, criaria menos e melhor. Teria
encontrado um mecenas na pessoa
de um Médici ou de um Giuliano della Rovere, que se tornou papa. Ele
viveu sua fase mais fértil num final
do século em que a burguesia, cem
anos depois da Revolução Francesa,
atingia seu instante de esplendor e
tédio.
Teve de fazer bustos, dois deles
criaram fama: o de Victor Hugo, que
provocou escândalo; e o de Balzac,
também inacabado como a "Porta
do Inferno", um trabalho que muitos consideram sua obra-prima.
Não deixa de ser curioso que Rodin tenha imortalizado em bronze
os dois maiores romancistas da burguesia francesa que chegava ao poder ao longo do século 19.
Por falar em burgueses, outra de
suas obras mais valorizadas são "Os
Burgueses de Calais", um episódio
da Guerra dos Cem Anos, que provocou complicada briga entre o artista e o prefeito da cidade. O grupo
dos seis heróis (que durante algum
tempo viraram anti-heróis e depois
voltaram a ser heróis) parecia trabalho superior à capacidade de um só
artista. Surgiria a lenda de que Rodin explorava o trabalho de seus assistentes -uma acusação comum a
criadores de obra extensa.
Desde a Renascença o mundo não
vira um artista como ele, tendo contra si a assombrosa facilidade de
criar as linhas e a luz do corpo humano em movimento. Um movimento que capta extraordinariamente em "O Beijo" e "Primavera
Eterna" -para ficar em duas das
mais conhecidas obras.
Mas há igualmente um movimento misterioso em "O Pensador". A
mão do homem que pensa é o núcleo
da estátua, ponto de apoio não apenas do rosto, mas do conjunto. Nada
de admirar que tenha se tornado um
dos artistas mais reproduzidos da
história. Até mesmo em falsificações
e cópias de duvidoso gosto.
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