São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Mirante da crise

Um microcosmo da economia americana. Por Daniel Bergamasco, de Nova York

Fotos Gilberto Tadday/Folha Imagem
Da escadaria de vidro vermelho, recém-inaugurada na Times Square, avistam-se as marcas-símbolo dos EUA, além da bolsa despencando e de bancos quebrando

Inaugurada há dez dias, a escadaria de vidro em vermelho rubi instalada em frente à Times Square, em Nova York, foi desenhada para oferecer uma vista melhor da riqueza das luzes e dos telões gigantes que caracterizam o pedaço e anunciam não só peças da Broadway, mas as marcas-símbolo do capitalismo americano, de Coca-Cola a McDonald's.

 

Mas, do alto de seus 37 degraus, a cinco metros do solo, o pequeno mirante acaba por mostrar bem outra Nova York: a das luzes negras que estão piscando nas últimas cinco semanas, quando o país tem experimentado a fase de agravamento de sua crise econômica, já considerada a pior desde a Grande Depressão da década de 1930.

 

"Nada aqui é igual. Os clientes desapareceram", diz Mel Hall, engraxate de 61 anos que hoje lustra dez pares de sapato por dia, contra os 20 de antes dessa fase sombria, cujo marco inicial foi a quebra do banco Lehman Brothers, no segundo domingo de setembro. O prédio-sede dessa instituição -que é revestido por luminosos e agora pertence ao banco Barclays- também pode ser visto da escada.

 

Em um giro de pescoço, um painel gigante exibe a cotação da Bolsa de Valores de Nova York, onde o índice Dow Jones despencou mais de 35% em relação a um ano atrás. Olhando à frente, vê-se a cintilante bolsa Nasdaq, que perdeu mais de 40% no mesmo período.

 

À direita, está o prédio do banco Morgan Stanley que, balançado pela crise, vendeu um quinto de suas ações para um banco japonês para voltar a respirar. Há também um luminoso do Bank of America, que salvou o Merrill Lynch da falência ao comprá-lo no mês passado. E a banca de revistas do Huda.

 

"Os jornais de economia estão vendendo mais, mas eu não vivo só com "Wall Street Journal" e "Financial Times". Minhas vendas caíram 10% no mês passado. Os empregados do Lehman Brothers compravam muito cigarro, especialmente quando a situação do banco piorou", diz Huda Mohammed, 39, dono da banca.

 

Espalham-se pela cidade metáforas envolvendo a crise e a escada vermelha -que, projetada pelo arquiteto Perkins Eastman, custou US$ 19 milhões e cobre a nova bilheteria da TKTS, que vende ingressos da Broadway com desconto. "É uma luz brilhante em tempos econômicos sombrios", disse ao jornal "The New York Times" Tim Tompkins, presidente da Times Square Alliance, a associação comercial da região.

 

Na Grande Depressão, o edifício Empire State (Estado Império), inaugurado em 1931, se tornou símbolo da apatia econômica do país e foi apelidado de Empty State (Estado Vazio), porque poucos empresários tinham cacife para se instalar por ali. Mas a nova escada, de entrada franca, é por enquanto um postal de otimismo.

 

"Todo mundo sorrindo!", orienta Garry Newman, dono de uma agência de eventos a seus funcionários, que posam ali para o cartão de Natal da firma. "Sorrindo, bem bonito!", ele dirige, posicionando as moças na linha de frente. Algumas estão de saia, apesar do frio de dez graus. "Temos de agradar os clientes em tempos de crise", ele explica à coluna. "Nós buscamos formas de evitar a crise, como fazer mais eventos com empresas européias. Tudo ficará bem."

 

Embaixo da escada, na bilheteria, pouco adianta apelar para os estrangeiros. Apenas 16% do público da Broadway é composto por turistas de fora dos Estados Unidos e a valorização do dólar desconvida ao turismo. Prevendo que os americanos vão ecobnomizar mais, os teatros da região se preparam para um início de 2009 mais difícil que a média do período. "Spamalot" e "Hairspray" sairão de cartaz em janeiro -segundo a imprensa americana, a projeção de crise antecipou o fim das exibições.

 

Os ingressos para peças e musicais da Broadway custam entre US$ 60 e US$ 300. Em tempos de crise, diz uma bilheteira, aumentou a procura por uma opção econômica oferecida por alguns teatros: ver peças em pé, no fundo do teatro, pagando apenas US$ 10 ou US$ 20. Em pé? Isso mesmo.

 

A coluna fez o teste e comprou um desses ingressos para a peça "Equus", com o ator inglês Daniel Radcliffe. Como são mais de três horas, a maioria dos "pobres" vê a peça debruçada na mureta instalada logo após a última fileira do piso térreo. No intervalo, quem está nessa situação sai da sala, se senta na escadaria do teatro ao lado, tira o sapato e massageia os pés. Não é fácil pertencer à classe econômica.


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