São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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BIA ABRAMO

Números, noticiários e novelas


As novelas perdem audiência e o noticiário espetaculoso do drama humano a levanta

SEPARADOS, OS números parecem falar de duas coisas diferentes. Juntos, nem tanto. Na segunda-feira, 21, a coluna Outro Canal informou que a audiência no final de semana posterior ao desfecho do seqüestro de Eloá subiu 15% na Grande São Paulo. No dia seguinte, ela mostrou os números relativos às novelas da Globo -em todos os horários, 18h,19h e 21h, as novelas estão nos mais baixos índices já registrados desde os anos 70.
Não que a sua principal concorrente, a Record, esteja muito melhor das pernas: suas duas novelas também tiveram quedas significativas nos últimos meses, empacando em índices próximos aos 15%. Juntemos mais um dado: em abril, durante a cobertura extensiva (e, diga-se, abusiva) do caso Isabella, os espectadores correram para frente da TV e chegaram a aumentar em 46% a audiência dos telejornais.
Os dois episódios têm características de enorme apelo humano. No mais antigo, tratava-se da morte de uma criança de seis anos, cujos principais suspeitos eram os pais. Neste mais recente, de um seqüestro domiciliar longuíssimo com desfecho trágico, envolvendo um homem de 22 anos inconformado com um rompimento amoroso, a ex-namorada de 15 e uma amiga desta, também muito jovem. É da natureza desse tipo de acontecimento que eles atraiam a atenção; explorados à exaustão, como tornou-se a regra, têm causado fenômenos que beiram a histeria -e, para a alegria das emissoras, traduzem-se em números gordos.
Para além dos aspectos, digamos, naturais e artificiais desse afluxo mais intenso de audiência, se pode supor, como hipótese, que seja um sintoma de mudança de comportamento do telespectador. Se as novelas perdem, sistematica e consistentemente audiência, e o noticiário espetaculoso do drama humano a levanta, talvez não seja apenas porque o telespectador escolha mais o que assistir. Ou, por outra, quando assistir o quê.
Na verdade, autores e emissoras já sabem disso há tempos, tanto que cada vez mais lançam mão de "esteróides de audiência", ou seja, divulgam por antecipação o dia em que fulana vai aparecer pelada, ciclana vai apanhar ou algum elemento-chave da trama vai ser revelado. A quantidade de telespectadores fiéis a determinados horários e programas (que podem e querem investir seu tempo todos os dias, durante meses, no acompanhamento de um conjunto restrito de histórias) diminuiu. E a tendência, parece, é continuar diminuindo.

biabramo.tv@uol.com.br


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