CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O paralelismo é a essência de "Refém de uma Vida". E não é apenas porque os desdobramentos de um seqüestro, dentro de uma floresta e na casa do seqüestrado (Robert Redford), se estruturam narrativamente de forma paralela, como se existissem dois filmes. Essa questão narrativa, mecânica até, do paralelismo irriga o conteúdo do longa.
Na casa, a mulher conta para os filhos da viagem aventureira a um hotel que ela e o marido, jovens, em um remoto aniversário, fizeram. Na mata, raptor e raptado dividem um sanduíche de presunto, descansam e conversam. Lá, Redford reflete sobre sua falta de entusiasmo à época do pedido de casamento, sanada pela posterior certeza de ter, ainda que ausente, constituído bom lar.
Voltemos à casa: o clima é sinistro, mas a vida segue. Tanto que o aniversário do neto de Redford é comemorado com claridade de festa de bebê, com ternura e bolo.
Temos um seqüestro narrado em paralelismo, mas temos, sobretudo, a idéia de construção da família em faces paralelas: ontem (memórias) e hoje (imagens); primórdios e renovação.
Se a família é uma instituição resistente na casa de Redford, na do raptor o painel é outro. Fracassado, mora com o sogro e com a mulher em uma edificação na qual só a TV parece falar: sua família é a dos espectros. Fora da mata, é um animal inferior, esmagado em outra floresta, urbana. A selva verdadeira: dos empreendimentos, da eficiência e da bela arquitetura de tudo -incluindo casa, família e sua fachada. Território em que o ser reinante é Redford. A mata do seqüestro é só uma floresta paralela: nela, os dois bichos, cada hora mais consumidos pela natureza, talvez se igualem. Idéia, aliás, sempre almejada, nunca escancarada pela câmera.

Refém de uma Vida
The Clearing
   
Direção: Pieter Jan Brugge
Produção: EUA/Alemanha, 2004
Com: Helen Mirren, Robert Redford, Willem Dafoe
Quando: a partir de hoje nos cines Jardim Sul, Kinoplex Itaim e circuito