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"DANÇA COMIGO?"
Adaptação vira vitrine para valores familiares
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Em "Dança Comigo?", a dança
é uma questão de fuga. Richard Gere, advogado entediado,
irá penetrar numa espécie de país
das maravilhas, oculto entre as
plataformas do metrô de Chicago.
Lá funciona uma escola de dança,
na qual se matriculará.
Só que a dança deixará de ser fuga, para ser também uma questão
de aprendizado. De doutrinação.
Se Gere aprende a dançar uma
rumba com correção e estilo necessários, aprende também que
J.Lo, a instrutora gostosa, é um ser
intocável. Uma entidade sexual,
sim, já que voz e pele parecem
pulsar. Mas que, com austeridade
e pureza de contornos infantis,
desconsidera o fato de seu discípulo ser Gere, enjoado da mulher.
Sabe-se que essa mulher, dedicada, vê o casamento com olhar
bíblico: as pessoas se casam pois
precisam de testemunhas para
suas obras, isto é, suas vidas.
Não demora para que percebamos que a doutrinação que se dá
na escola não diz respeito apenas
a questões como movimento e coreografia. Gere esteve recebendo,
na verdade, uma lição sobre a importância da manutenção do matrimônio. É até proposto: dançar
pode ser não só dançar. Pode ser
conviver no mesmo passo de outra pessoa. Dançar é o casamento.
Assim, "Dança Comigo?" não é
tão diferente de "A Dona da História". Ambos resultam em reflexões esterilizantes, que se sustentam, cada filme à sua moda, em
estéticas da esterilização. A começar, no caso de "Dança Comigo?",
pela adaptação do original japonês de 97 a um novo sistema industrial de imagens americano.
Um sistema que tende a uma tonalidade artificial -glamourosa- diferente da melancolia dos
opacos e "reais" ambientes de
dança japoneses. Afinal, a harmonia do casamento perpetuado e
"doutrinado" pelos códigos do
"cinema de família" dos EUA imita a expressão dos aparatos cenográfico e de iluminação em "Dança Comigo?": tão plástica quanto
artificial, tão vivaz quanto mentirosa (mágica). Magia não é problema. É que, aqui, ela é meio sufocada se o filme é muito mais
uma vitrine de valores do que das
"seqüelas" de uma tradição americana de ilusão em música e dança.
(CLAUDIO SZYNKIER)
Dança Comigo?
Shall We Dance?
Direção: Peter Chelsom
Produção: EUA, 2004
Com: Richard Gere, Jennifer Lopez,
Susan Sarandon
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Bristol, Eldorado, Lar
Center e circuito
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