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Biografia "rival" gera debate sobre métodos de pesquisa histórica
DA REPORTAGEM LOCAL
Disputando palmo a palmo o
espaço nas prateleiras, um outro
livro que aborda as peripécias do
escritor espanhol se apresenta como opção ao leitor brasileiro. Trata-se de "As Vidas de Miguel de
Cervantes", de Andrés Trapiello,
lançado há pouco mais de um
mês pela editora José Olympio.
Não há de ser uma disputa amigável entre lombadas de livro. O
espanhol Trapiello, mais versado
na ficção, e o acadêmico francês
Canavaggio vêm se desentendendo há longos anos, num conflito
do qual não escapam nem sequer
seus prólogos. E as edições brasileiras não saem impunes.
Trapiello afirma que o trabalho
de Canavaggio é "absolutamente
desprezível", tendo sido "saqueado" inteiramente de Astrana Marín. Defende, também, uma atitude mais franca e livre do biógrafo
em relação ao objeto retratado, a
partir de uma máxima tomada do
próprio Cervantes: "Quando se
sabe sentir, sabe-se dizer". Assim,
justificaria algumas liberdades
que tomou.
Canavaggio é menos direto, não
cita nomes, mas sua defesa também se esconde nas entrelinhas
das primeiras páginas, a julgar pelo que sabemos de suas acusações
a Trapiello. Por exemplo, critica
aqueles que tentam "descobrir
por trás da trama dos acontecimentos a personalidade de quem
os viveu, mesmo sob o risco de
construir uma representação fantasiosa". E, em defesa velada do
próprio estilo, cita Paul Veyne:
"explicar mais é contar melhor".
De qualquer forma, ignorando-se momentos em que ambos parecem sucumbir a picuinhas pessoais ou interpretativas, o que sobrevém é uma interessante discussão sobre o comportamento
ideal de um biógrafo: se deve entregar-se às próprias suposições e
buscar transcender aquilo que os
documentos parecem demonstrar, ou se deve ater-se a eles e levantar todas as possibilidades que
se possam depreender.
O curioso da história, entretanto, é a surpresa que o leitor pode
ter ao transpassar essas páginas
iniciais. O que nos é dado ler são
duas biografias bastante semelhantes em seu conteúdo, e mesmo na forma de abordá-lo.
O estilo supostamente romanceado de Trapiello dá espaço a
constantes relativizações e a elipses que recebem a devida explicação de que, daquele período, pouco ou nada se sabe sobre Cervantes. Sua veia de escritor acaba aparecendo mais nas descrições dos
lugares que o biógrafo visita hoje,
e em suposições de como seriam
tais lugares na época de Cervantes. Também aparece nas concessões que Trapiello se faz, de transitar livremente por diversas épocas, sem prender-se tanto à cronologia, o que não deixa de ser recurso ensaístico.
Canavaggio, por sua vez, prefere
as explicações políticas e conjunturais da época a essa descrição da
mudança dos tempos. Seu livro
prima, também, por uma maior
organização, contando com uma
cronologia datada e com um índice mais preciso. Não são tão poucos, porém, os momentos em que
o próprio autor se entrega a elucubrações pouco objetivas, quase
rendendo-se ao que ele mesmo
condena em seu prólogo.
(JF)
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