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ARTES CÊNICAS
Coreógrafo de origem albanesa terá a peça "Licores de Carne" encenada pelo Balé da Cidade de São Paulo
Preljocaj defende a dança "combatente"
INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA
Caos, energia, paixões; reflexões
sobre a força; sensualidade no limite do obsceno: são os grandes
temas na obra de Angelin Preljocaj (1957). Coreógrafo de origem
albanesa, ele esteve em São Paulo
para conhecer o Balé da Cidade,
companhia que estreará, em abril,
"Liqueurs de Chair" ("Licores de
Carne"). Criação de 1988, é uma
peça característica de um dos
grandes nomes da dança contemporânea. A sensualidade ali é explorada em contraponto com engrenagens e máquinas -instrumentos de ironia e alegoria.
Desde 1996 o Ballet Preljocaj é
residente do Centro Coreográfico
de Aix-en-Provence (França). O
coreógrafo iniciou na dança clássica, passou pelo expressionismo
e pela dança abstrata. Suas coreografias trabalham com grande rigor a composição coreográfica e
musical, explorando associações
com outras artes. Muitas obras
dialogam com o repertório canônico da dança, de maneira inovadora.
Entre tradição e vanguarda, entre o clássico e o contemporâneo,
Preljocaj construiu um conjunto
de coreografias requisitado por
companhias do mundo todo, como o balé da Ópera de Paris e o
New York City Ballet. Em sua passagem por São Paulo, conversou
com a Folha no camarim do Teatro Municipal.
Folha - Para você as diferenças
culturais podem ser sentidas no
movimento?
Angelin Preljocaj - Não somente
a cultura do país, mas a de cada
companhia. Cada país traz coisas
misteriosas, que se inscrevem inconscientemente nos corpos. Há
uma cultura física em cada grupo.
Folha - A transcrição de frases coreográficas em notações é um trabalho regular na sua companhia?
Preljocaj - A notação coreográfica é uma maneira de se transmitir
a coreografia, que permite aos
bailarinos reencontrar a precisão
dos movimentos e conservar o
conjunto da obra. Quando vemos
um vídeo, só o que se aprende é a
interpretação de um bailarino
particular. A música tem uma
partitura, a pintura fica nos museus; e a dança? Uma arte que não
tem memória está perdida.
Folha - Como você vê o legado
dos balés russos?
Preljocaj - Eles foram a primeira
companhia de dança contemporânea da história. Homenageá-los
é trabalhar com seu espírito, não
refazer sua dança. Fiz uma nova
versão de "Les Noces", relacionando as obras através da história. Foi como uma espécie de porta do tempo, abrindo comunicação com este momento chave da
história da dança.
Folha - Em "Paysage après la Bataille" você questiona o próprio
processo criativo. Como você vê essa questão hoje?
Preljocaj - Constantemente me
pergunto o que me faz fazer isso:
meus instintos ou meu intelecto?
Minha cultura ou outra coisa misteriosa? Há pessoas que fazem
realmente uma arte conceitual.
Há outros que provocam sensações: tocam o sistema nervoso do
espectador, não somente a razão.
Em "Paysage" busquei contrapor os dois tipos de artista. Nada é
simples na arte, há derivações do
intelecto e do instinto. Há ainda o
corpo: instrumento da dança,
atravessado por muitas sensações. Sofre sempre o confronto do
seu desejo e da sua tirania. Essa é a
fragilidade e a força da dança.
Folha - Você diria que a sua é uma
arte política?
Preljocaj - Vejo um papel político em tudo. A arte que faço pode
falar de política, mas seu objetivo
não é político. Temos ação política na medida em que se faz o que
tem de ser feito; se isso provoca algo ou não, é outra coisa.
Folha - O que você diria a um jovem coreógrafo?
Preljocaj - A dança é uma arte do
combate, por todos os lugares e
em todas as posições. Desde pequeno você se debate se você é um
menino, precisa brigar com a família para dançar. Depois com o
olhar dos outros, que o enquadram num estereótipo. Então você se torna um bailarino e se dá
conta que é... menos do que um
músico, menos do que um ator,
um pintor, menos do que tudo. E
finalmente você briga pela dança
e se torna um bailarino militante.
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