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São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2003

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ARTES CÊNICAS

Coreógrafo de origem albanesa terá a peça "Licores de Carne" encenada pelo Balé da Cidade de São Paulo

Preljocaj defende a dança "combatente"

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Caos, energia, paixões; reflexões sobre a força; sensualidade no limite do obsceno: são os grandes temas na obra de Angelin Preljocaj (1957). Coreógrafo de origem albanesa, ele esteve em São Paulo para conhecer o Balé da Cidade, companhia que estreará, em abril, "Liqueurs de Chair" ("Licores de Carne"). Criação de 1988, é uma peça característica de um dos grandes nomes da dança contemporânea. A sensualidade ali é explorada em contraponto com engrenagens e máquinas -instrumentos de ironia e alegoria.
Desde 1996 o Ballet Preljocaj é residente do Centro Coreográfico de Aix-en-Provence (França). O coreógrafo iniciou na dança clássica, passou pelo expressionismo e pela dança abstrata. Suas coreografias trabalham com grande rigor a composição coreográfica e musical, explorando associações com outras artes. Muitas obras dialogam com o repertório canônico da dança, de maneira inovadora.
Entre tradição e vanguarda, entre o clássico e o contemporâneo, Preljocaj construiu um conjunto de coreografias requisitado por companhias do mundo todo, como o balé da Ópera de Paris e o New York City Ballet. Em sua passagem por São Paulo, conversou com a Folha no camarim do Teatro Municipal.
 

Folha - Para você as diferenças culturais podem ser sentidas no movimento?
Angelin Preljocaj -
Não somente a cultura do país, mas a de cada companhia. Cada país traz coisas misteriosas, que se inscrevem inconscientemente nos corpos. Há uma cultura física em cada grupo.

Folha - A transcrição de frases coreográficas em notações é um trabalho regular na sua companhia?
Preljocaj -
A notação coreográfica é uma maneira de se transmitir a coreografia, que permite aos bailarinos reencontrar a precisão dos movimentos e conservar o conjunto da obra. Quando vemos um vídeo, só o que se aprende é a interpretação de um bailarino particular. A música tem uma partitura, a pintura fica nos museus; e a dança? Uma arte que não tem memória está perdida.

Folha - Como você vê o legado dos balés russos?
Preljocaj -
Eles foram a primeira companhia de dança contemporânea da história. Homenageá-los é trabalhar com seu espírito, não refazer sua dança. Fiz uma nova versão de "Les Noces", relacionando as obras através da história. Foi como uma espécie de porta do tempo, abrindo comunicação com este momento chave da história da dança.

Folha - Em "Paysage après la Bataille" você questiona o próprio processo criativo. Como você vê essa questão hoje?
Preljocaj -
Constantemente me pergunto o que me faz fazer isso: meus instintos ou meu intelecto? Minha cultura ou outra coisa misteriosa? Há pessoas que fazem realmente uma arte conceitual. Há outros que provocam sensações: tocam o sistema nervoso do espectador, não somente a razão.
Em "Paysage" busquei contrapor os dois tipos de artista. Nada é simples na arte, há derivações do intelecto e do instinto. Há ainda o corpo: instrumento da dança, atravessado por muitas sensações. Sofre sempre o confronto do seu desejo e da sua tirania. Essa é a fragilidade e a força da dança.

Folha - Você diria que a sua é uma arte política?
Preljocaj -
Vejo um papel político em tudo. A arte que faço pode falar de política, mas seu objetivo não é político. Temos ação política na medida em que se faz o que tem de ser feito; se isso provoca algo ou não, é outra coisa.

Folha - O que você diria a um jovem coreógrafo?
Preljocaj -
A dança é uma arte do combate, por todos os lugares e em todas as posições. Desde pequeno você se debate se você é um menino, precisa brigar com a família para dançar. Depois com o olhar dos outros, que o enquadram num estereótipo. Então você se torna um bailarino e se dá conta que é... menos do que um músico, menos do que um ator, um pintor, menos do que tudo. E finalmente você briga pela dança e se torna um bailarino militante.

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