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Influência caseira marca trajetória dos Carvalho
"Se Vladimir fosse médico, eu não teria feito cinema", diz Walter, que rodará com o filho Lula adaptação de "Benjamin'
Assinatura do clã está em marcos do cinema nacional como "Cabra Marcado para Morrer", "Central do Brasil", "Carandiru" e "Tropa de Elite"
DA REPORTAGEM LOCAL
Vladimir Carvalho se esquiva
de comentar sua influência política sobre o sobrinho Lula,
que diz ter aprendido com ele a
ser "flamenguista e comunista". "Andei emprestando uns livros a ele", desconversa.
Mas da doutrinação futebolística ele não se furta. "Quando
Lula nasceu, levei um enxovalzinho vermelho e preto. Deu
tão certo que nem precisei me
preocupar com o segundo [sobrinho, Lucas]. Hoje vamos os
três juntos ao Maracanã."
Walter Carvalho, pai de Lula,
não herdou do irmão Vladimir
a paixão rubro-negra, mas está
seguro de que deve a ele sua escolha profissional. "Se Vladimir fosse médico, eu não teria
feito cinema."
Vem da infância a primeira
memória de Walter que relaciona Vladimir e o cinema. Deitado numa rede, na casa em
João Pessoa para onde a família
se mudara, Walter ouvia palavras como "plano", "corte",
"enquadramento".
Elas vinham da sala, onde
Vladimir e o amigo Linduarte
Noronha tratavam de construir
um roteiro de filme.
Kulechov
"Nunca tínhamos feito aquilo nem sequer nada parecido,
mas conseguíramos um exemplar do "Tratado de la Realización Cinematográfica", do Leon
Kulechov, que seguimos à risca", lembra Vladimir.
O roteiro originou "Aruanda"
(1960), dirigido por Noronha, e
que se tornou um marco no cinema brasileiro. O título trata
da população de uma área remanescente de quilombo na
Paraíba, tema que Noronha já
abordara antes, numa reportagem jornalística.
O manual de Kulechov foi
um dos livros que Vladimir teve
de deixar para trás, poucos
anos mais tarde, em 1964, no
set de outro clássico, "Cabra
Marcado para Morrer", de
Eduardo Coutinho, de quem
era assistente de direção.
Quando o Exército passou a
perseguir a equipe, Vladimir
providenciou às pressas um
abrigo para Elizabeth Teixeira,
viúva de João Pedro Teixeira, o
"cabra marcado".
Em seguida, ele se refugiou
em Campina Grande (PB). De
lá seguiu para o Rio de Janeiro,
camuflado na fictícia identidade de José Pereira dos Santos.
Instalado no Rio, Vladimir
retomou o trabalho em cinema.
Foi ser assistente de Arnaldo
Jabor em "Opinião Pública" e
viveu na cidade até o fim da década de 60, quando a trocou por
Brasília, onde reside até hoje.
Foto de Che
A carreira do hoje multipremiado fotógrafo Walter Carvalho partiu do Rio de Janeiro,
onde ele foi ser estudante da
Escola Superior de Desenho
Industrial, depois de também
conhecer de perto a repressão
do regime militar.
Em 1968, numa passeata em
João Pessoa, Walter tentou
hastear uma foto de Che Guevara. Foi detido e passou a noite
sob golpes de cassetete.
Na semana seguinte, já em
casa, Walter tomou o cuidado
de jamais tirar a camisa na
frente de sua mãe, dona Mazé, a
quem não contara sobre a surra
que levara.
Décadas depois desse episódio, quando dirigia "Cazuza - O
Tempo Não Pára" (2004), Walter se surpreendeu emocionado no set, filmando a cena em
que Frejat (Cadu Favero) diz a
Lucinha Araújo (Marieta Severo): "Minha mãe é como as outras: ela não sabe de tudo".
Quando decidiu filmar "Incelência para um Trem de Ferro"
(1971), Vladimir chamou Walter para ser seu fotógrafo. Sem
experiência no cinema e temeroso de errar, Walter titubeou.
Vladimir tranqüilizou-o com
a promessa: "Você é meu irmão. Se der errado, não conto a
ninguém". Deu tão certo que
Walter recebeu um prêmio pelo trabalho e nunca mais se
afastou do cinema.
Os convites para filmar foram tantos e em lugares tão dispersos que Walter adotou o hábito de levar Lula para o set, nas
férias escolares, para não passar muito tempo longe do filho.
"Eu ia ao trabalho do meu
pai, assim como ia ao da minha
mãe [a instrumentista Lia Gandelman]", diz Lula.
A sedução do cinema foi
maior que a da música -que
Lula também "ama"- em grande parte por causa da câmera e
de suas promessas de revelar
mundos escondidos aos olhos
do garoto.
Olho
"Eu via aquele instrumento e
o achava enigmático. Dava vontade de colocar o olho ali", diz.
Aos poucos, Lula passou a
executar funções nos sets, contrariando as ordens de seu pai,
mas com a conivência do restante da equipe.
O filho tornou-se tão perito
que o pai acabou se rendendo.
No próximo dia 15, ambos começarão a rodar "Budapeste",
adaptação do livro homônimo
de Chico Buarque. Walter assinará a direção e Lula, a direção
de fotografia.
Em fevereiro, quando as filmagens deverão ocorrer em
Budapeste, "Tropa de Elite", fotografado por Lula, competirá
no Festival de Berlim.
Não é exatamente como internacional que Lula classifica
essa etapa de sua carreira, mas
sim "com menos fronteiras".
O mundo está ficando pequeno para o clã de cinema dos
Carvalho, mas continua fincado em Itabaiana, ecoando a
campainha do Cine Teatro
Ideal.
(SA)
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