São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

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comida

Queijo de colher

Cremoso, o Serra da Estrela está no auge de sua produção; similar espanhol, Torta del Casar deve ser importado para o Brasil pela primeira vez

Letícia Moreira/Folhapress
Queijo da serra da Estrela DOP (na frente), queijo da região sem certificado, queijo curado (alaranjado)

LUIZA FECAROTTA
DE SÃO PAULO

Certa vez, um casal de amantes da (boa) comida foi barrado na alfândega do aeroporto de Guarulhos. Levava na mala o mais famoso queijo de Portugal. Sem certificado, o produto foi proibido de entrar no país. Não houve dúvida, sentaram no chão e se esbaldaram ali mesmo.
Não era para menos: o Serra da Estrela é um queijo sazonal que chega ao seu auge neste período, quando vira mote de feiras em seu país.
Produzido artesanalmente em escalas minúsculas, chega a preços altos, inclusive em Portugal, como diz Mônica Freitas, que já morou 30 anos no país e hoje está à frente d'O Pote do Rei.
Para chegar aqui, o preço sobe mais (cerca de R$ 400, o quilo). Delicado, tem de vir de avião, o que o encarece.
É preciso, ainda, atravessar burocracias do Ministério da Agricultura, que exige vistorias das instalações "in loco" para que o produto tenha importação autorizada.
São requisitos que se explicam: trata-se de um queijo de leite cru (não pasteurizado) de uma raça específica de ovelha, a bordaleira, que deve seguir padrões rígidos para receber o selo de Denominação de Origem Protegida.
Nessa seara, aliás, há boa novidade. O queijo, que era comercializado somente com 1 kg, em breve poderá ser vendido também com 500 g -o processo de certificação está em curso em Portugal.
Os animais pastam livres, se alimentam naturalmente (sem ração) e, para coalhar o leite, este entra em contato com cardo (erva nativa).
Para o soro ser retirado, o coalho é prensado manualmente e salgado. Seu tempo de cura, em câmaras com temperatura e umidade controladas, gira em torno dos 60 dias, como explica Paulo Pessoa, português responsável pelas importações da Caseus, no Brasil.

PRIMO ESPANHOL
Queijo similar e menos conhecido no Brasil, pois ainda não há nenhum exemplar autorizado a entrar no país, é o espanhol Torta del Casar.
Como explica o técnico em alimentos Ramón Cava, professor do curso de veterinária da Universidade de Extremadura (Espanha), esse queijo parte dos mesmos princípios de produção (leite cru de ovelha e coalhado com cardo).
Cava recupera a história do laticínio. Pastores coalhavam o leite das ovelhas nos meses finais do inverno. Na maturação, em uma época fria e úmida, vários ficavam cremosos e perdiam a forma. Foram os primeiros indícios do nascimento de um "queijo fracassado". E "nunca um fracasso teve tanto êxito".
Alçado ao "ápice das realizações humanas no campo dos queijos crus e semicrus" pelo crítico da "Vogue" americana Jeffrey Steingarten, o Torta del Casar serviu de inspiração para Carlos Henrique Moraes (sócio do Spot e pai dos donos do Gardênia).
Envolvido com experimentos há dois anos em sua fazenda em Itu (SP), na qual cria 300 ovelhas de raça francesa, de fácil adaptação, anuncia seu primeiro lote de queijo para meados de abril.
No mercado, deve entrar até o meio do ano, com poucos exemplares, quando os processos legais, já em curso, estiverem finalizados.
Como depende do solo, da raça e da pastagem das ovelhas (e do coalho vegetal), o queijo que pretende lançar aqui, um "amanteigado de ovelha", não é o mesmo. Mas Moraes busca algo similar -embora, entre outros fatores, tenha de fazer o coalho com enzima animal.
Paralelamente, Luciano Almendary, da All Food, que já traz bons exemplares do Serra da Estrela (da respeitada Casa Matias), começou em agosto de 2010 o processo de certificação do queijo espanhol. Isso quer dizer que, ainda neste ano, deve importar o produto para o Brasil.
Pelo que parece, Arcádio Martinez, dono do Eñe, não terá mais de se preocupar com o assunto. "É uma desgraça que queijos muito bons na Espanha sejam completamente desconhecidos aqui porque ninguém importa."


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