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DVDS
"ELAS ME ODEIAM, MAS ME QUEREM"
Produção sai diretamente em vídeo
Spike Lee encontra o guarda noturno que derrubou Nixon
CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Faz tempo que Spike Lee é um
problema comercial no Brasil, país pouco acostumado com
um cinema de visão tão peculiar,
em que personagens estão meio
dispensados no enredo: visitando
lugares, imergindo no movimento desses, nas paisagens do bairro,
às vezes sugando o filme para a dimensão de seus devaneios fabulares. Um cinema em que a "história" não é mais importante do que
suas periferias (como em "A Última Noite").
Esta é quinta vez que Lee vai direto para vídeo/DVD. "Elas me
Odeiam, Mas me Querem" é protagonizado por negros. Outros
Lee com o mesmo traço ficaram
restritos às prateleiras nos últimos
anos. Fora isso, no novo filme, Lee
brinca com percepções, numa comédia bizarra entre o sarcasmo e
a fé na integridade quase utópica
dos amalucados discursos, visuais
inclusive, apresentados. No Festival de Veneza, silêncio. Nos EUA,
ninguém gostou, sobretudo a comunidade gay (o porquê vem depois). O roteiro é engenhoso: há
praticamente dois filmes, mas um
é invólucro do outro.
Lee tem dois grandes temas: a
imagem mercantilizada e a família. Em "Elas...", há primeiro um
filme sobre outro de seus temas, a
ganância corporativa e política
como vetor da história negra. Assim, ele vai retomar uma habilidade: exumar imagens do acervo
americano sombrio para reinventá-las de forma distorcida ("O Verão de Sam", "A Hora do Show")
-neste caso, as de Watergate.
Aqui, há uma trama corporativa
(executivo negro denuncia expedientes em sua empresa e é demitido) que é pretexto para chegarmos à história do guarda noturno
negro, posteriormente massacrado, que desvendou Watergate.
Mas o curioso em "Elas..." é o fato
de, em "outro filme", paralelo,
Lee usar seu tema dos últimos
anos para tocar no tema antigo.
Curioso? É que a imagem mercantilizada vem sempre atrelada,
no cinema de Lee, aos estatutos
institucionais e empresariais.
Basta ver o belo "He Got Game"
(98). Lee não só comenta a fome
industrializadora em torno de um
jovem talento do basquete: também usa de uma estética que desloca esse atleta para um mundo de
um artificialismo colorido e lúdico das mercadorias esportivas,
embalando-o. Mas em "Elas...", a
imagem mercantil surge no âmbito da arquitetura familiar.
Lee gosta de observar o comportamento superficial das pessoas na perspectiva da construção
familiar (ecos de "Febre da Selva") e do amadurecimento: aqui,
ele faz isso manejando o conceito
da imagem de "circulação", de
consumo. A desse negro demitido, formado em Wharton, musculoso, sensível, produto fértil de
qualidade para lésbicas que desejam a gravidez. Ou seja, acima de
tudo, aqui há Lee recombinando
códigos de seu cinema.
Elas me Odeiam, Mas me Querem
Direção: Spike Lee
Distribuidora: Columbia; R$ 45
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