São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DVDS

"ELAS ME ODEIAM, MAS ME QUEREM"

Produção sai diretamente em vídeo

Spike Lee encontra o guarda noturno que derrubou Nixon

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Faz tempo que Spike Lee é um problema comercial no Brasil, país pouco acostumado com um cinema de visão tão peculiar, em que personagens estão meio dispensados no enredo: visitando lugares, imergindo no movimento desses, nas paisagens do bairro, às vezes sugando o filme para a dimensão de seus devaneios fabulares. Um cinema em que a "história" não é mais importante do que suas periferias (como em "A Última Noite").
Esta é quinta vez que Lee vai direto para vídeo/DVD. "Elas me Odeiam, Mas me Querem" é protagonizado por negros. Outros Lee com o mesmo traço ficaram restritos às prateleiras nos últimos anos. Fora isso, no novo filme, Lee brinca com percepções, numa comédia bizarra entre o sarcasmo e a fé na integridade quase utópica dos amalucados discursos, visuais inclusive, apresentados. No Festival de Veneza, silêncio. Nos EUA, ninguém gostou, sobretudo a comunidade gay (o porquê vem depois). O roteiro é engenhoso: há praticamente dois filmes, mas um é invólucro do outro.
Lee tem dois grandes temas: a imagem mercantilizada e a família. Em "Elas...", há primeiro um filme sobre outro de seus temas, a ganância corporativa e política como vetor da história negra. Assim, ele vai retomar uma habilidade: exumar imagens do acervo americano sombrio para reinventá-las de forma distorcida ("O Verão de Sam", "A Hora do Show") -neste caso, as de Watergate.
Aqui, há uma trama corporativa (executivo negro denuncia expedientes em sua empresa e é demitido) que é pretexto para chegarmos à história do guarda noturno negro, posteriormente massacrado, que desvendou Watergate. Mas o curioso em "Elas..." é o fato de, em "outro filme", paralelo, Lee usar seu tema dos últimos anos para tocar no tema antigo. Curioso? É que a imagem mercantilizada vem sempre atrelada, no cinema de Lee, aos estatutos institucionais e empresariais.
Basta ver o belo "He Got Game" (98). Lee não só comenta a fome industrializadora em torno de um jovem talento do basquete: também usa de uma estética que desloca esse atleta para um mundo de um artificialismo colorido e lúdico das mercadorias esportivas, embalando-o. Mas em "Elas...", a imagem mercantil surge no âmbito da arquitetura familiar.
Lee gosta de observar o comportamento superficial das pessoas na perspectiva da construção familiar (ecos de "Febre da Selva") e do amadurecimento: aqui, ele faz isso manejando o conceito da imagem de "circulação", de consumo. A desse negro demitido, formado em Wharton, musculoso, sensível, produto fértil de qualidade para lésbicas que desejam a gravidez. Ou seja, acima de tudo, aqui há Lee recombinando códigos de seu cinema.


Elas me Odeiam, Mas me Querem
    
Direção: Spike Lee
Distribuidora: Columbia; R$ 45


Texto Anterior: Televisão: "BBB" entra na vanguarda involuntária
Próximo Texto: Nas lojas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.