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TELEVISÃO
"Reality show" traz horas de cenas que mostram pessoas dormindo, como em um dos filmes radicais de Andy Warhol
"BBB" entra na vanguarda involuntária
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO
A arte contemporânea esbarra
em uma nova encruzilhada. O
choque é entre dois pesos pesados. De um lado, o homem das latas de sopa, Andy Warhol (1928-1987), mantém seu reinado no alto escalão da pop art.
No andar de baixo das manifestações artísticas, a televisão, está o
diretor Boninho, que transforma
o "Big Brother Brasil" em um dos
maiores sucessos da TV nacional.
Uma observação mais atenta
nos flashes diários do programa
na TV paga ou no conteúdo do
"pay-per-view" (pague para ver)
-que mostram os acontecimentos na casa durante 24h por dia-
revela similaridades, ainda que
involuntárias, com os filmes experimentais dos anos 60 do artista
plástico norte-americano.
Não raro, câmeras estáticas do
"BBB" mostram apenas um bando de gente dormindo durante
horas, ou então, uma cozinha vazia durante longos minutos. Em
"Sleep" (1963), Warhol posiciona
uma câmera à frente do poeta
John Giorno, criando um filme de
mais de cinco horas de duração
com a mesma cena. Seria o "BBB"
uma menosprezada pérola da arte
de vanguarda? Ou, ainda, seria
Boninho um gênio enrustido?
Os artistas e estudiosos consultados pela Folha divergem sobre
semelhanças entre Warhol e
"BBB". "São duas propostas totalmente opostas", diz o artista plástico Nelson Leirner, 73. Para ele, a
arte, como os filmes do americano, pressupõe interação entre a
obra e o público. "Um "reality" não
traz isso; ele é apenas um programa de mau gosto, kitsch. Warhol
tinha a intenção de dar ao público
a sensação de um voyeur; "BBB"
está mais próximo do circo."
Para o cineasta Cao Guimarães,
40, é justamente o voyeurismo o
"momento de confluência"; a
partir daí, vê diferenças. "Warhol
se propunha ao antiespetáculo.
"Sleep" tenta encapsular o passar
do tempo. "BBB" é a espetacularização do cotidiano." Quem também vê breve semelhança é o professor do departamento de cinema da PUC Arlindo Machado, 55:
"Ambos são registros em tempo
real, mas o sentido é outro. No
"BBB", há apenas o vazio". Já para
o professor de comunicação da
Universidade de Iowa (EUA)
Mark Andrejevic, Warhol "estava
à frente de seu tempo" e antecipava eventos de hoje. ""Reality show"
é um entretenimento de baixa
qualidade que celebra o mundano
e transforma um Zé Ninguém em
alguém; é a loteria da fama."
As similaridades puramente visuais não aproximariam as linguagens? "Não, os enquadramentos de câmera do "BBB" são horríveis. Isso sem falar que tem um
monte de gente feia", afirma o cineasta Carlos Adriano, que diz ter
assistido a todos os filmes experimentais de Warhol. Afirma ainda
que não dormiu no meio das exibições. "Não havia em Andy o elemento exibicionista; o "BBB" escancara as vísceras dos participantes, todos estão em busca do
dinheiro, e não da arte." "A diferença não reside no fato de ser ou
não arte, mas no pressuposto crítico que existe em Warhol e é ausente no "BBB'", afirma a professora da PUC Giselle Beiguelman.
Assinantes do "pay-per-view"
do "BBB", no entanto, não estão
preocupados. O gerente financeiro Mércio Querido de Figueiredo,
33, que apenas ouviu falar em
Warhol, pergunta: "Por que um
filme com um cara dormindo é
arte? Isso é uma apelação, uma
idéia equivocada". Ele prefere o
"BBB". "Tem menos pretensão, e
é mais autêntico." Se ele consegue
ver "insights" artísticos no programa? "Claro que não, aquilo é
uma bobagem, por isso eu gosto
tanto." ""BBB" é apenas fofoca, futilidade, não tem nada de artístico", completa o administrador de
empresas Danilo Faria, 29, que
nunca ouviu falar em Warhol.
Arte ou não, vanguarda ou pura
coincidência, o fato é que embaixo do edredom do "Big Brother"
há espaço para todos os tipos de
manifestações.
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