São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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CRÍTICA

Hebe e Oprah: intimidades lá e cá

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

De um lado, uma senhora de cabelos oxigenados, cuja história se confunde com a da TV brasileira. De outro, uma mulher negra que está entre as pessoas mais ricas do mundo. Na verdade, Hebe Camargo e Oprah Winfrey não estão nesses dois lados criados para efeitos retóricos. No fundo, são mais semelhantes -guardadas todas as proporções necessárias- do que diferentes. Só que, embora sutis, as diferenças são decisivas.
Elas são as rainhas, cada uma em seu país e língua, do "talk show" feminino -sim, porque pode-se falar em um estilo feminino e um estilo masculino de "talk show". Não que isso signifique que os do primeiro grupo sejam única e exclusivamente apresentados por mulheres e os do segundo, por homens. À falta de termo melhor, usamos aqui feminino e masculino para caracterizar uma maneira inclusiva, mais próxima de uma idéia de intimidade, que revela por acolher; e outra, mais incisiva, mais próxima da competição, que provoca para mostrar. Há uma terceira maneira, que é a da questionamento franco, mas essa está quase ausente da TV brasileira, a não ser em versão caricata.
Ambas conseguem levar o espectador para algum lugar que é visto, entendido e apreciado como a intimidade daqueles que entrevistam, mas também delas mesmas. É evidente que não é de fato a intimidade -essa, muitas vezes, é simplesmente inacessível, até mesmo para o próprio sujeito-, mas algo que, por vezes, pode chegar bem perto disso. Ambas têm uma postura que diz: "Pode vir que eu agüento, que eu topo". Ambas medem tudo de acordo com uma escala de valores que é a um tempo própria, mas tem o poder de se comunicar com as do público. Ambas reduzem as experiências e personalidades que passam por seus palcos à domesticidade.
Funciona que é uma beleza, tanto para Hebe quanto para Oprah. Agora, por que a Hebe parece mais caseirinha, menos espetacular, mas também menos submissa ao marketing da indústria do entretenimento? Além das diferenças óbvias de personalidade, talvez haja na brasileira uma curiosidade de fato mais autêntica, que escapa -ou que talvez seja impossível- à norte-americana. Enquanto para Hebe a intimidade do outro é um valor em si mesmo, que pode e deve ser fruída com o público -não em todos os casos, mas muitas vezes e de forma veemente, como ficou patente na ótima entrevista que fez com Maria Bethânia em sua reestréia de 2005-, em Oprah aquilo que é revelado tem um caráter mais instrumental, quase técnico. É uma habilidade, antes de tudo, que ela vende caro no mercado.
Quaisquer especulações sobre caráter nacional são arriscadas, mas sempre uma tentação: será que é por que há menos espaço na sociedade americana para ver o outro sem categorizar, pensar qual é a contrapartida? Será que é por que, na falta de estabilidade moral, os brasileiros se aferram à afetividade como bem supremo?


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