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CRÍTICA
Hebe e Oprah: intimidades lá e cá
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
De um lado, uma senhora de
cabelos oxigenados, cuja
história se confunde com a da TV
brasileira. De outro, uma mulher
negra que está entre as pessoas
mais ricas do mundo. Na verdade, Hebe Camargo e Oprah Winfrey não estão nesses dois lados
criados para efeitos retóricos. No
fundo, são mais semelhantes
-guardadas todas as proporções necessárias- do que diferentes. Só que, embora sutis, as
diferenças são decisivas.
Elas são as rainhas, cada uma
em seu país e língua, do "talk
show" feminino -sim, porque
pode-se falar em um estilo feminino e um estilo masculino de
"talk show". Não que isso signifique que os do primeiro grupo sejam única e exclusivamente apresentados por mulheres e os do
segundo, por homens. À falta de
termo melhor, usamos aqui feminino e masculino para caracterizar uma maneira inclusiva,
mais próxima de uma idéia de intimidade, que revela por acolher;
e outra, mais incisiva, mais próxima da competição, que provoca para mostrar. Há uma terceira
maneira, que é a da questionamento franco, mas essa está quase ausente da TV brasileira, a não
ser em versão caricata.
Ambas conseguem levar o espectador para algum lugar que é
visto, entendido e apreciado como a intimidade daqueles que
entrevistam, mas também delas
mesmas. É evidente que não é de
fato a intimidade -essa, muitas
vezes, é simplesmente inacessível, até mesmo para o próprio sujeito-, mas algo que, por vezes,
pode chegar bem perto disso.
Ambas têm uma postura que diz:
"Pode vir que eu agüento, que eu
topo". Ambas medem tudo de
acordo com uma escala de valores que é a um tempo própria,
mas tem o poder de se comunicar com as do público. Ambas reduzem as experiências e personalidades que passam por seus
palcos à domesticidade.
Funciona que é uma beleza,
tanto para Hebe quanto para
Oprah. Agora, por que a Hebe
parece mais caseirinha, menos
espetacular, mas também menos
submissa ao marketing da indústria do entretenimento? Além
das diferenças óbvias de personalidade, talvez haja na brasileira
uma curiosidade de fato mais autêntica, que escapa -ou que talvez seja impossível- à norte-americana. Enquanto para Hebe
a intimidade do outro é um valor
em si mesmo, que pode e deve
ser fruída com o público -não
em todos os casos, mas muitas
vezes e de forma veemente, como
ficou patente na ótima entrevista
que fez com Maria Bethânia em
sua reestréia de 2005-, em
Oprah aquilo que é revelado tem
um caráter mais instrumental,
quase técnico. É uma habilidade,
antes de tudo, que ela vende caro
no mercado.
Quaisquer especulações sobre
caráter nacional são arriscadas,
mas sempre uma tentação: será
que é por que há menos espaço
na sociedade americana para ver
o outro sem categorizar, pensar
qual é a contrapartida? Será que é
por que, na falta de estabilidade
moral, os brasileiros se aferram à
afetividade como bem supremo?
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