São Paulo, segunda-feira, 27 de fevereiro de 2006

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POLÍTICA CULTURAL

Tramita no Congresso projeto que tornaria o ingresso da produção brasileira mais caro que o da estrangeira

Nova lei pode subir preço de filme nacional

SILVANA ARANTES
THIAGO NEY

DA REPORTAGEM LOCAL

O ingresso de cinema no Brasil será mais barato para filmes de Hollywood do que para produções nacionais, se o Congresso aprovar modificação na lei de direito autoral proposta pelo senador Marcelo Crivella (PMR-RJ).
O alerta foi feito ao Senado pelo presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Gustavo Dahl. "Eu me manifestei contra a emenda, porque ela faz uma distinção entre o filme brasileiro e o estrangeiro que não tem cabimento, na medida em que irá encarecer para o público o preço do filme nacional", afirma Dahl.
Fazer o ingresso do filme brasileiro pesar mais no bolso do espectador não era exatamente a intenção do senador Crivella. Esse será (se a emenda for aprovada) o efeito colateral de uma disputa que opõe exibidores e músicos, em torno da cobrança de direitos autorais das trilhas sonoras de filmes exibidos nos cinemas.
Crivella colocou-se do lado dos músicos. "Minha preocupação é com eles. Os artistas precisam estar bem para compor lindas canções e embalar a alma do povo brasileiro nesse momento de crise", afirma o senador.
A emenda de Crivella é uma reviravolta num projeto de lei favorável aos exibidores, o 532, apresentado em 2003 pelos senadores Paulo Octávio (PFL-DF) e João Capiberibe (PSB-AP) -cujo mandato foi cassado em 2004, sob acusação de compra de votos.
O projeto retira definitivamente das mãos dos donos de cinema uma conta da qual há anos eles tentam se livrar. Segundo a lei de direitos autorais brasileira, os donos de cinemas devem pagar os direitos autorais aos titulares das trilhas dos filmes que exibem.
A cobrança é feita pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), que estabelece em 2,5% do faturamento das salas o montante do direito dos autores da trilha. Aí começa a briga.
"Esse valor é abusivo e arbitrário", afirma Valmir Fernandes, presidente da rede Cinemark, líder em número de salas no Brasil.
A Cinemark foi à Justiça questionar a cobrança e obteve liminar que a desobriga do pagamento. A vice-líder no mercado, a rede Severiano Ribeiro, está em situação inversa. Deixou de pagar os direitos ao Ecad durante anos, mas sofreu derrota na Justiça. A dívida a ser calculada é milionária.
A proximidade de datas entre o revés da Severiano Ribeiro e o projeto de lei 532 não é coincidência, na opinião da superintendente do Ecad, Glória Braga.
"Justamente quando perderam a ação, surgiu o projeto de lei. Levamos a vida toda discutindo a lei, se estava certa. No final, o Superior Tribunal de Justiça diz que está certa. Agora eles querem mudar a lei. É uma rasteira numa decisão judicial", afirma.
A mudança que o projeto de Capiberibe e Octávio promove é a de excluir os cinemas da definição de locais de "execução pública" de músicas, portanto, da lista de devedores de direitos dos músicos.
O projeto foi aprovado em primeira votação no Senado. Antes que fosse ratificado e enviado à Câmara, os músicos reagiram, com incentivo do Ecad.
O cantor e compositor Zezé Di Camargo enviou carta até ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, afirmando que "a possível aprovação do projeto" acarretaria "sensível redução da arrecadação dos direitos" e seria "um brutal retrocesso da legislação de proteção aos direitos intelectuais".
Crivella propôs então uma emenda que determina a cobrança dos direitos das trilhas só para filmes brasileiros e os de países com os quais o Brasil tem reciprocidade na questão. Como não é o caso dos EUA, onde a legislação autoral é diferente, quem lucra com isso é Hollywood, já que os exibidores repassarão ao consumidor a diferença nos custos.


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