DA REPORTAGEM LOCAL

Nestes dias em que a TV é tomada pelos desfiles cada vez mais comerciais das escolas de samba do Rio e dos trios elétricos de Salvador, é um prazer assistir ao programa "Ensaio", da Cultura, dedicado a Cartola (1908-1980).
Ainda que seja uma reprise -foi gravado em 1973 e já exibido em outros Carnavais recentes-, ele é testemunha de um tipo de samba que não sai mais na avenida, mas que já fez história na música popular brasileira.
Acompanhado de sua mulher, Dona Zica (1913-2003), Cartola conta histórias de sua vida e dos muitos amigos e aventuras que teve no morro. Entremeando a conversa entram seus sambas clássicos, como "O Sol Nascerá", "Acontece" e "Nós Dois".
Nos depoimentos de Cartola e de Dona Zica estão alguns dos melhores momentos do programa, como quando o músico relembra a fundação da escola de samba Mangueira, por ele batizada de Estação Primeira e também colorida de verde e rosa.
"A gente fazia muita bagunça, era malquisto no morro por causa disso, não podíamos sair nos blocos de família. Então decidimos fazer uma escola, ali entre 1927 e 1928, inicialmente só com barbados. Aí no outro ano apareceram umas meninas, daquelas que gostam de bagunça, e a coisa foi ficando séria", explica Cartola.
Ele relembra o primeiro samba que virou dinheiro -"Que Infeliz Sorte", vendido para o cantor Mário Reis por 300 mil réis, "uma fortuna", segundo Cartola- e conta a experiência do Zicartola, o bar que o casal teve na década de 1960 e que reunia desde sambistas como Paulinho da Viola até o ex-presidente Juscelino Kubitschek.
Por fim, é curioso notar como, já naquela época (1973), Cartola vaticinava o fim do samba mais tradicional ao lembrar seus primeiros desfiles com a Mangueira, na década de 1930. "Naquela época, o samba era mais lento, quase um rancho, não era essa correria que é hoje em dia. Era mais civilizado." (MARCO AURÉLIO CANÔNICO)