São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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MÚSICA/LANÇAMENTO

Verdissimo

No centenário da morte do maior compositor italiano de ópera, Brasil recebe poucos discos

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não vai ter jeito: quem quiser ter acesso, no Brasil, aos lançamentos do ano Verdi vai ter que apelar para importadores ou sites estrangeiros de venda de discos.
Assustadas com a alta do dólar e com a vendagem baixa dos discos de música erudita por aqui (historicamente em torno de 1% do mercado fonográfico), as grandes gravadoras não têm previsão de lançar os discos que comemoram, no exterior, o centenário de morte do maior compositor italiano de ópera de todos os tempos. A exceção é a Warner, que coloca dois discos de Verdi no mercado brasileiro (leia abaixo).
A crise na venda dos clássicos está longe de ser um fenômeno brasileiro. Já em 1996 -antes, portanto, do Napster colocar em polvorosa a indústria fonográfica- o autor britânico Norman Lebrecht publicava "When the Music Stops Managers, Maestros and the Corporate Murder of Cla$$ical Music".
Em meio a uma crise geral causada pelo que chamava de "coca-colisação" (leia-se mercantilização) da música, Lebrecht apontava um cenário dos mais sombrios para os discos clássicos.
Afinal, já há várias gravações das sinfonias de Beethoven registradas por orquestras excepcionais e regentes de primeiríssima linha. Estando essas gravações no formato tecnicamente impecável do CD, por que voltar a gravá-las?
Callas, Bernstein, Heifetz e Horowitz morreram, mas seus CDs continuam aí, com qualidade artística fora de série, inibindo novas gravações de um repertório já registrado de maneira brilhante.
Desde a publicação do livro de Lebrecht, os fatos só parecem ter confirmado suas previsões. Quedas nas vendas, fusões, cortes, não-renovação de contratos, escasso investimento em nomes "emergentes": os grandes selos colocaram o pé no freio.
Por isso, o centenário de morte de Verdi está longe de ter a orgia de lançamentos do bicentenário de morte de Mozart, em 1991, quando, ainda durante a febre do CD, a Philips produziu uma monumental "Mozart Edition", gravando virtualmente cada nota escrita pelo compositor.
A situação é agravada pelo fato de Verdi ter sido um compositor de óperas, justamente a forma musical mais cara e, portanto, mais afetada pela política de corte de custos das gravadoras.
Mas há muita coisa boa saindo lá fora. Não há como não ficar com água na boca com o que a EMI chama de "Verdi Anniversary Box" um pacotão de 30 discos com óperas do compositor, na leitura literal e vigorosa do regente napolitano Riccardo Muti.
E ainda há espaço para as primeiras gravações pela Philips: Fabio Luisi rege o primeiro registro completo da ópera "Jérusalem", enquanto o maestro Riccardo Chailly é o responsável, na etiqueta Decca, por "Messa Solenne", disco com cinco obras sacras da juventude de Verdi que jamais haviam sido gravadas.
Em torno do cantor pop e dublê de tenor Andrea Bocelli, a Philips arregimentou um elenco impecável (Renée Fleming, soprano; Olga Borodina, mezzo-soprano; Ildebrando d'Arcangelo, baixo) para mais uma gravação do "Réquiem", sob a batuta do badalado Valeri Guerguiev. Já as "Quatro Peças Sacras" mereceram registro de Myung-Whun Chung, pela Deutsche Grammophon.
Curiosamente, maestros da escola de interpretação de música antiga com instrumentos "de época" estão sendo chamados a dar suas visões dos mais conhecidos títulos verdianos.
Pela Philips, John Eliot Gardiner, à frente da sua Orquestra Revolucionária e Romântica, grava "Falstaff"; e a Teldec tem prevista uma "Aida" regida por Nikolaus Harnoncourt.
Só que, como o canto lírico é uma arte saudosista, as gravadoras também apostam pesado nos relançamentos. Enquanto o pequeno selo Marston edita um registro de 1912 de "Le Trouvère" (versão em francês de "Il Trovatore"), a série "Références", da EMI, traz o tenor Beniamino Gigli (1890-1957) em "Aida", "Réquiem" e "Un Ballo in Maschera", enquanto o barítono Tito Gobbi (1913-1984) brilha em "Simon Boccanegra" e "Don Carlo".
A boa notícia é que a onda de gravações históricas permite o resgate de um antigo nome brasileiro do canto lírico. A Myto coloca no mercado internacional um registro de 1958 da "Ernani", com a soprano paulistana Constantina Araújo (1922-1966), que fez grande carreira internacional em casas como o Scala, de Milão, o Covent Garden, de Londres, e a Ópera de Paris.


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