São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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ARNALDO JABOR

Jader e ACM estão unidos como dois irmãos

Na semana passada, escrevi sobre o fracasso. Hoje, falo sobre o êxito.
Não que os brasileiros desejem o fracasso; o fato é que tememos o êxito.
O fracasso é mais seguro, não provoca ansiedade. O fracasso é nosso velho conhecido. O êxito é perigoso, o êxito pode fracassar, pode acabar, o que cria um suspense. Já o fracasso é um sossego. O Brasil fica morto, e isso pode ser um êxito para quem vive do "Mesmo" nacional.
O êxito dá trabalho, coisa de anglo-saxônicos. Antes, o êxito exige providências, determinação, fé. Depois, o êxito exige aproveitamento, limites, manutenção.
Digamos que o projeto de FHC desse certo. Teríamos um país com ajuste fiscal, com crescimento da economia e com o déficit publico sob controle, apto a melhorar a vida dos pobres. Isso não seria bom? Não. Isso seria péssimo para os donos das oligarquias e para os donos das ideologias.
Para as oligarquias, seria terrível o Brasil numa boa. Um país organizado, com demarcação de poderes, exigiria ética, respeito a coisa pública. Isso é péssimo para aqueles que, há quatro séculos, se alimentam do "Mesmo", do caos pantanoso da nação. O grande projeto não dito da oligarquia é uma terra sem lei, onde a democracia seja um disfarce para a predação e para a corrupção. É bem mais fácil de manipular.
Na verdade, ACM e Jader estão unidos como irmãos. Um chama o outro de "ladrão" e de "prostituta", mas, no fundo, se amam. Abraçadinhos, desejam a destruição do projeto. Que projeto? Do FHC? Não. De qualquer projeto que apareça. O desejo das oligarquias e dos corruptos é de que o país seja uma gasosa zona, sem orçamentos, sem diretrizes. Bom, para o patrimonialismo é a geléia geral sem rumo. O fracasso é lucrativo, como foi lucrativo no século 19 impedir até o fim a abolição dos escravos e como foi lucrativo para a elite o pacto por um atraso planejado.
Para a religião ideológica das oposições seria péssimo o êxito de um "herege" como FHC, um "terceira via", um "revisionista neoliberal", um crítico de seus velhos dogmas. Se o projeto tucano desse certo, eles teriam de rever mitos como "democracia é coisa de burguês", "chegaremos de novo ao socialismo", "tomada do poder", "planejamento central". Nada mais doloroso do que rever ressentimentos, nada pior do que reconhecer que 40 anos de fé e dogmatismo foram em vão.
FHC é o Lutero para a contra-reforma da velha esquerda. Ele ousou abandonar as utopias e caiu de boca na "realpolitik". Usou as alianças com a direita para, em troca de favores e de concessões, conseguir reformar nosso sistema político. FHC fingiu que respeitava seus aliados, e eles fingiram que o obedeciam. Agora, estão cobrando a conta. "Ah... você quis usar nosso fisiologismo sem grandeza? Tudo bem... agora vamos jogar tudo de volta em você..."
Daí a vergonhosa união da oposição (exclua-se o PPS) com os patrimonialistas em perigo. Daí o assanhamento de caricaturas como Itamar Franco e Pedro Simon. Daí a espantosa cruzada moralista feita por imorais. Daí o golpismo de falsos "legalistas", daí esta "política" feita para impedir a Política. Conspiram para que tudo fique no "Mesmo": o importante é que nada aconteça.
A crise que vivemos é desejada. A finalidade de uma grande CPI moralista é impedir a moralização do país. É preciso que tudo fique sempre abstrato, inofensivo; é preciso impedir que se desconstruam as instituições arcaicas que favorecem o saque ao país. É preciso falar em "futuro" para inviabilizar o presente, falar em "moralidade" e ser contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O verdadeiro projeto nacional é esse eterno empurrão com a barriga, o eterno oscilar entre populismo e autoritarismo. O projeto nacional é uma farsa de agitação e de urgência para se esconder a paralisia do "Mesmo".
Não é só com o projeto de FHC. Não. Qualquer projeto que ameace a tranquilidade de zorra geral. Foi assim com Getúlio, assassinado porque tinha um projeto nacionalista e trabalhista; assim foi com JK, escorraçado pelo moralismo sórdido que elegeu o Janio, um bêbado paranóico; assim foi com o Jango, com seu projeto nacional-popular, abortado pela UDN-CIA e seus "tenentistas"; assim foi com o governo da abertura, derrubado por um vírus no intestino de Tancredo (o único verme sem ideologias, mas que serviu para mostrar nosso surrealismo institucional, alçando Sarney ao poder, um homem da ditadura que acabava); assim foi até o projeto de Collor, eleito para manter o "Mesmo", mas que preparou um golpe contra si mesmo, um caso clínico de masoquismo revolucionário. O sistema do "Mesmo" não admite mudanças.
Assim, querem ferrar também FHC que, com erros e acertos, encontrou um país quebrado e fez a estabilidade (80% ao mês de inflação, lembram-se?). Ele tentou ser uma adesão à racionalidade e é visto pela opinião pública ignorante, manipulada por escândalos produzidos, como sendo o pior dos flagelos de Deus, mais odiado do que qualquer outro, pois ousou mexer na estrutura do sagrado sistema oligárquico, corporativo e burocrático. Tudo, menos mexer no dogma da Nossa Senhora dos Canalhas.
Estamos diante da quebradeira da Argentina, do fracasso do Mercosul, da ameaça da Alca, das reformas inacabadas, da miséria que poderia ser resolvida com o saneamento das contas públicas. Todos os indicadores do mundo dizem que estamos correndo o risco de melhorar. Daí a crise. Ninguém quer. Só por isso. Um urubu pousou em nossa sorte.


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