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ARNALDO JABOR
Jader e ACM estão unidos como dois irmãos
Na semana passada, escrevi sobre o fracasso. Hoje, falo sobre o êxito.
Não que os brasileiros desejem o
fracasso; o fato é que tememos o
êxito.
O fracasso é mais seguro, não
provoca ansiedade. O fracasso é
nosso velho conhecido. O êxito é
perigoso, o êxito pode fracassar,
pode acabar, o que cria um suspense. Já o fracasso é um sossego.
O Brasil fica morto, e isso pode ser
um êxito para quem vive do
"Mesmo" nacional.
O êxito dá trabalho, coisa de
anglo-saxônicos. Antes, o êxito
exige providências, determinação, fé. Depois, o êxito exige aproveitamento, limites, manutenção.
Digamos que o projeto de FHC
desse certo. Teríamos um país
com ajuste fiscal, com crescimento da economia e com o déficit publico sob controle, apto a melhorar a vida dos pobres. Isso não seria bom? Não. Isso seria péssimo
para os donos das oligarquias e
para os donos das ideologias.
Para as oligarquias, seria terrível o Brasil numa boa. Um país
organizado, com demarcação de
poderes, exigiria ética, respeito a
coisa pública. Isso é péssimo para
aqueles que, há quatro séculos, se
alimentam do "Mesmo", do caos
pantanoso da nação. O grande
projeto não dito da oligarquia é
uma terra sem lei, onde a democracia seja um disfarce para a
predação e para a corrupção. É
bem mais fácil de manipular.
Na verdade, ACM e Jader estão
unidos como irmãos. Um chama
o outro de "ladrão" e de "prostituta", mas, no fundo, se amam.
Abraçadinhos, desejam a destruição do projeto. Que projeto? Do
FHC? Não. De qualquer projeto
que apareça. O desejo das oligarquias e dos corruptos é de que o
país seja uma gasosa zona, sem
orçamentos, sem diretrizes. Bom,
para o patrimonialismo é a geléia
geral sem rumo. O fracasso é lucrativo, como foi lucrativo no século 19 impedir até o fim a abolição dos escravos e como foi lucrativo para a elite o pacto por um
atraso planejado.
Para a religião ideológica das
oposições seria péssimo o êxito de
um "herege" como FHC, um "terceira via", um "revisionista neoliberal", um crítico de seus velhos
dogmas. Se o projeto tucano desse
certo, eles teriam de rever mitos
como "democracia é coisa de burguês", "chegaremos de novo ao
socialismo", "tomada do poder",
"planejamento central". Nada
mais doloroso do que rever ressentimentos, nada pior do que reconhecer que 40 anos de fé e dogmatismo foram em vão.
FHC é o Lutero para a contra-reforma da velha esquerda. Ele
ousou abandonar as utopias e
caiu de boca na "realpolitik".
Usou as alianças com a direita
para, em troca de favores e de
concessões, conseguir reformar
nosso sistema político. FHC fingiu
que respeitava seus aliados, e eles
fingiram que o obedeciam. Agora,
estão cobrando a conta. "Ah... você quis usar nosso fisiologismo
sem grandeza? Tudo bem... agora
vamos jogar tudo de volta em você..."
Daí a vergonhosa união da oposição (exclua-se o PPS) com os patrimonialistas em perigo. Daí o
assanhamento de caricaturas como Itamar Franco e Pedro Simon. Daí a espantosa cruzada
moralista feita por imorais. Daí o
golpismo de falsos "legalistas",
daí esta "política" feita para impedir a Política. Conspiram para
que tudo fique no "Mesmo": o importante é que nada aconteça.
A crise que vivemos é desejada.
A finalidade de uma grande CPI
moralista é impedir a moralização do país. É preciso que tudo fique sempre abstrato, inofensivo; é
preciso impedir que se desconstruam as instituições arcaicas que
favorecem o saque ao país. É preciso falar em "futuro" para inviabilizar o presente, falar em "moralidade" e ser contra a Lei de
Responsabilidade Fiscal.
O verdadeiro projeto nacional é
esse eterno empurrão com a barriga, o eterno oscilar entre populismo e autoritarismo. O projeto
nacional é uma farsa de agitação
e de urgência para se esconder a
paralisia do "Mesmo".
Não é só com o projeto de FHC.
Não. Qualquer projeto que ameace a tranquilidade de zorra geral.
Foi assim com Getúlio, assassinado porque tinha um projeto nacionalista e trabalhista; assim foi
com JK, escorraçado pelo moralismo sórdido que elegeu o Janio,
um bêbado paranóico; assim foi
com o Jango, com seu projeto nacional-popular, abortado pela
UDN-CIA e seus "tenentistas"; assim foi com o governo da abertura, derrubado por um vírus no intestino de Tancredo (o único verme sem ideologias, mas que serviu para mostrar nosso surrealismo institucional, alçando Sarney
ao poder, um homem da ditadura
que acabava); assim foi até o projeto de Collor, eleito para manter
o "Mesmo", mas que preparou
um golpe contra si mesmo, um caso clínico de masoquismo revolucionário. O sistema do "Mesmo"
não admite mudanças.
Assim, querem ferrar também
FHC que, com erros e acertos, encontrou um país quebrado e fez a
estabilidade (80% ao mês de inflação, lembram-se?). Ele tentou
ser uma adesão à racionalidade e
é visto pela opinião pública ignorante, manipulada por escândalos produzidos, como sendo o pior
dos flagelos de Deus, mais odiado
do que qualquer outro, pois ousou mexer na estrutura do sagrado sistema oligárquico, corporativo e burocrático. Tudo, menos
mexer no dogma da Nossa Senhora dos Canalhas.
Estamos diante da quebradeira
da Argentina, do fracasso do
Mercosul, da ameaça da Alca, das
reformas inacabadas, da miséria
que poderia ser resolvida com o
saneamento das contas públicas.
Todos os indicadores do mundo
dizem que estamos correndo o risco de melhorar. Daí a crise. Ninguém quer. Só por isso. Um urubu
pousou em nossa sorte.
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