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Sim para Sin City
Baseado em série de Frank Miller,
filme revoluciona adaptação de HQs
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
"Sin City" é um marco. A cada
punhado de anos, Hollywood
produz um filme-marco, que influenciará os próximos títulos do
gênero e será imitado à exaustão.
Para ficar apenas nas décadas recentes, "Guerra nas Estrelas" inventou o blockbuster de verão baseado em efeitos especiais, "Blade
Runner" mudou a ficção científica, "Pulp Fiction" reinventou a estrutura do roteiro, "A Bruxa de
Blair" redefiniu o conceito de terror e "Matrix" juntou tudo isso e
foi além. Agora, é a vez de "Sin
City", que estréia nesta sexta nos
EUA e chega em maio ao Brasil.
O filme, baseado em três episódios da série de graphic novel homônima, de autoria de Frank Miller, revoluciona a maneira como
histórias em quadrinhos são
adaptadas para as telas. De "Batman" (1989) a "Spider-Man 2"
(2004), o que houve até agora foi
um avanço no uso dos efeitos especiais a serviço do cinema. "Sin
City" muda a linguagem. Seu trajeto, do primeiro quadrinho, desenhado no início dos anos 90, à
obra pronta, mostrada a jornalistas do mundo todo no último domingo, vale a pena ser recontado.
Desde que juntou um bando de
amigos, recolheu US$ 7 mil e fez
"El Mariachi", em 1993, o texano
Robert Rodriguez pensava em
adaptar "Sin City" para o cinema.
Ele não estava sozinho: se Will
Eisner (1917-2005) inventou o
conceito de "graphic novel" (linguagem cinematográfica aplicada
à narração em quadrinhos) em
1978, com seu "Contrato com
Deus", Frank Miller, 48, o levou às
últimas conseqüências e virou objeto de cobiça dos estúdios.
Primeiro, ao tornar Batman de
novo um super-herói, com a série
"O Cavaleiro das Trevas", de 1986,
que enterrou de vez o aspecto ridículo que tinha colado no personagem pela telessérie cômica dos
anos 60. Segundo, por esta série
de histórias que se passam numa
cidade fictícia, que leva o slogan
oficial de Las Vegas ("sin city", cidade do pecado), tem como nome
completo Basin City (cidade do
buraco), mas se parece muito
com Manhattan, São Paulo e outras megaconcentrações urbanas.
O tempo é hoje, embora o clima
seja dos romances e filmes noir
dos anos 30 e 40, com seus "tiras",
governantes e líderes religiosos
corruptos, femmes fatales de coração mole e detetives particulares com ética inabalável. E violência, muita violência, decalitros de
sangue, quilômetros de membros
decepados, quilos de balas.
Rodriguez era mais um na fila
dos aspirantes a diretores de
adaptação de um legítimo Frank
Miller. "Ele nem sequer atende o
telefone", disse o diretor em entrevista à Folha. "Fica enterrado
em seu estúdio em Nova York,
desenhando, e ouve mensagens
na secretária eletrônica de gente
como Steven Spielberg e Sam Raimi, implorando pelos direitos de
adaptar uma de suas histórias.
Não responde porque odeia dizer
não." Por um amigo do amigo do
amigo, Rodriguez conseguiu falar
com o quadrinhista e dizer que tinha algo para lhe mostrar.
Nos meses anteriores, o diretor
havia filmado uma pequena seqüência de "Sin City" por conta
própria, em seu estúdio em Austin, Texas, onde faz a maior parte
de seus filmes, inclusive os efeitos
especiais, sempre com a mesma
equipe. Era a morte de uma mulher por um assassino de aluguel.
Contra um fundo verde, recurso
usado para que os efeitos digitais
sejam acrescentados depois, ele
estacionou os atores de maneira
que só se movimentassem quando necessário. Ensaiou dezenas
de vezes os lugares exatos em que
as câmeras se posicionariam,
quase parada. Preparou os diálogos como se fossem balões.
Então, no computador, colocou
o cenário, idêntico à HQ (e que
lembra, aliás, o edifício Martinelli,
no centro de São Paulo). Transformou tudo em preto-e-branco e
estourou os contrastes, deixando
o branco quase neve e o preto semi-blecaute. Em algumas cenas,
só algumas, coloriu um objeto ou
uma parte do corpo, como o vestido da assassinada (vermelho) e
seus olhos quando seu cigarro é
aceso pelo pistoleiro (verdes)...
No dia do encontro com Miller,
num bar, Rodriguez abriu seu
laptop e falou: "Eu fiz isso". "Mas
isso é literalmente minha HQ,
quadro por quadro, como você
conseguiu colocá-la em movimento?", espantou-se o autor.
Nascia ali "Sin City", o filme.
Logo, os dois escolheram as três
histórias que seriam adaptadas e
como amarrá-las. Rodriguez fez
questão de que Miller fosse co-diretor, o que o obrigou a se desligar
do sindicato de diretores dos
EUA, que proíbe tal prática. "Eu
queria que ele estivesse lá para garantir que cada seqüência, cada
cena, fosse fiel ao quadro que desenhou e que nunca perdêssemos
este conceito de HQ em movimento", disse. Para complicar
ainda mais a sua situação sindical,
criou a categoria de "diretor especialmente convidado" para seu
amigo Quentin Tarantino, que pilota uma das cenas mais violentas
e cômicas do longa.
O resultado é história.
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