São Paulo, domingo, 27 de março de 2005

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É o melhor filme do ano, e ainda estamos em março

DA CALIFÓRNIA

"A Marca da Maldade". Raymond Chandler. "Pacto de Sangue". Will Eisner. "Blade Runner". Mangás. "Ranxerox". Até o brasileiro "Cidade Oculta". Mal o filme começa, as referências vão se enfileirando na cabeça. Passados os primeiros cinco minutos de "Sin City", porém, está claro: a platéia está diante de uma obra original, baseada em outra obra original, paradoxalmente.
Robert Rodriguez consegue controlar seus excessos para dar vez à maestria de Frank Miller. Assim, "Sin City" é mesmo a graphic novel em ação, sendo o diretor um mero realizador das idéias do desenhista e também a pessoa que as torna possíveis tecnologicamente. Tudo em preto-e-branco, com detalhes cruciais coloridos, como a rosa vermelha de "A Lista de Schindler", com uma diferença: ali, a cor reforçava uma idéia; aqui, é um personagem a mais, quase uma rubrica.
Três histórias se entrelaçam, a do brutamontes desfigurado Marv, que se vinga da morte da prostituta Goldie, no meio do caminho enfrentando o serial killer canibal Kevin, enquanto o policial Hartigan vai para a cadeia ao impedir que a menina Nancy seja estuprada por Junior, o filho de senador que virará o Yellow Bastard ao perder o pênis. Chega? Tem ainda a guerra das prostitutas lideradas por Gail com a ajuda do detetive particular Dwight, deflagrada quando o policial corrupto Jackie Boy é morto.
É filme para adulto, sem concessões, com nudez e mais violência do que é possível suportar. Mas uma violência de mentira, de quadrinhos, em que o sangue é branco, braços e pernas são decepados e o corpo vivo do ser que sobrou é dado como comida a um cachorro, pessoas crivadas de balas sobrevivem, homens são atropelados duas vezes por conversíveis e sobrevivem.
Sobra aos atores o difícil trabalho de serem bidimensionais. Ajudam as próteses, colocadas em Marv e Jackie, por exemplo, que os torna mais angulares, e o estrito controle do movimento dramático exercido por Miller no próprio set -em um momento, conta Rosario Dawson, a atriz teve de mudar a posição de seu brinco esquerdo, pois este não estava "na posição correta".
Ajuda também o fato de o elenco masculino ser quase inteiro formado por canastrões, nomes com carreiras em decadência, como Mickey Rourke e Rutger Hauer, respectivamente o ensandecido Marv e o corrupto cardeal Roark, em duas de suas melhores performances. Já o elenco feminino, como alguém falou, parece a sala de espera de um teste da "Playboy" -e Jessica Alba rouba a cena como a menininha que cresce e vira um dos mais belos animais a caminhar sobre a tela.
Ficam patentes os momentos em que Miller faz concessões a Rodriguez e Tarantino, como na cena do carro entre Owen e Del Toro, quando o filme escorrega para o pastiche. São poucos, felizmente, e o resultado geral deve agradar os fãs de HQ, que gostariam de qualquer maneira, e provocar sentimentos fortes nos amantes do cinema, que é mais do que se pode dizer sobre 99% da lavra hollywoodiana atual.
(SÉRGIO DÁVILA)


Sin City
Sin City
    
Direção: Robert Rodriguez e Frank Miller
Produção: EUA, 2005
Com: Jessica Alba, Bruce Willis, Benicio del Toro



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