São Paulo, domingo, 27 de março de 2005

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DVDS

SUSPENSE

Fábula dirigida por M. Night Shyalaman ganha força na segunda visão

Revisão de "A Vila" ajuda a apreender sua força poética

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

Será que "A Vila", como os demais filmes do diretor M. Night Shyalaman, resistem a uma segunda visão?
Apoiados em demasia sobre segredos narrativos que se revelam quase ao final da trama, será que os filmes não perdem a graça quando voltamos a assisti-los?
O que resta de "A Vila" ou de "O Sexto Sentido", quando já sabemos o que está por trás de cada cena, se temos na mão o segredo das situações e a chave da história?
Eis a surpresa: "A Vila" (que acaba de sair em DVD com bônus convencionais) é melhor ainda da segunda vez.
Quando revemos o filme, o que ressalta não são as artimanhas do espetáculo, mas as suas melhores qualidades de cinema, de poesia visual e até mesmo de crítica ao espetáculo cinematográfico.
É como se existissem dois filmes em "A Vila", um embutido no outro, este se revelando apenas depois da experiência daquele.
Primeiro, estamos diante de um filme mainstream, muito fiel às convenções, interessado em nos conduzir rapidamente a um território ficcional seguro, convocar o medo, causar emoções fortes e provocar surpresa.
Quando assistimos pela segunda vez, descobrimos um outro filme, que, já tendo descortinado o seu mistério, exige agora muito mais da atenção, da observação e da inteligência do espectador.
Revisto, "A Vila" deixa de ser um filme em que o suspense absorve quase tudo para ser um filme que se abre a formas muito ricas de fabulação. Deixa de ser um filme que se estrutura a partir do segredo (final) para ser um filme que produz a cada momento pequenos mistérios narrativos. Deixa de ter por objetivo causar medo e se torna um filme sobre a própria construção do medo.
Isso só ocorre porque M. Night Shyalaman é um dos melhores cineastas americanos da atualidade, com excepcional domínio da linguagem cinematográfica, uma imaginação exuberante e uma capacidade única de estimular o inconsciente e o olhar da platéia.
Nascido em Madras, na Índia, ele foi educado na Filadélfia, num colégio católico. Na universidade, estudou cinema. Com 34 anos, já realizou seis filmes.
O sucesso estrondoso de seu segundo longa-metragem, "O Sexto Sentido" (1999), garantiu-lhe em Hollywood uma grande autonomia de criação, o que é raro acontecer na capital do cinema.
Em "A Vila", além da direção, ele assina a produção, o roteiro e sabe-se que teve controle do "final cut", a montagem derradeira do filme. O seu esforço autoral foi reconhecido pela melhor crítica.
Suas histórias são sempre muito imaginativas, lembrando a literatura fantástica americana de Edgar Poe a Lovecraft. Quem filmou até hoje a história de um homem que não sabe que está morto? Ou a de uma cidadela do século 18 cercada pelo século 21?
Mas os filmes não param aí. Além da imaginação, está a investigação moral de Shyalaman. As suas fantasias questionam a nossa época, querem saber como nascem e morrem os mitos, as crenças e os medos deste tempo.
De todos os filmes do diretor, "A Vila" é o mais político, com suas imagens que evocam a colonização dos EUA. História de amor e de sacrifício por um lado, por outro é uma indagação sobre as chances de sobrevivência do sonho americano na era Bush. Otimista no desfecho, no detalhe e no conjunto é um filme muito triste, que espalha por cada coisa a sua poesia melancólica.


A VILA
    
Direção: M. Night Shyamalan
Com: Sigourney Weaver, William Hurt, Joaquin Phoenix, Bryce Dallas Howard



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