São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2008

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Comida

Igualzinho ao da vovó

Clássico da cozinha caseira, bolinho de arroz é servido nos bares ao modo tradicional, mas também ganha inovações, incorporando ingredientes como batata e coco

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Assim como as madeleines de Proust, os bolinhos de arroz têm a capacidade de puxar o fio da memória e levar muitos adultos de volta à infância, direto à casa da avó que fazia de tudo para agradar, daquela tia com mãos de fada, ou da mãe, que, exímia cozinheira (ou não), sempre será a favorita.
A origem caseira, do aproveitamento da sobra de arroz do dia anterior e da massa frita às colheradas, porém, não impediu que os bolinhos chegassem às cozinhas dos bares.
Mas qual deles tem a receita mais despretensiosa, tal como a das avós? A Folha visitou sete casas paulistanas e fez um ranking dos bolinhos que primam pela simplicidade, mantendo o vínculo com a cozinha de casa. Não é um julgamento de qualidade, mas de semelhança.
Versão elaborada a partir de uma receita de mãe -no caso, a da sócia do Ritz Maria Helena Guimarães-, o bolinho é "o" clássico da casa. A cada mês, 50 mil unidades são vendidas, em média -somando-se a demanda dos dois endereços (inclusive os que saem como acompanhamento e no delivery).
"Deu um pouco de trabalho chegar a essa versão, que [desde 1990] nunca saiu de cartaz. O da minha mãe não tinha parmesão; no nosso, colocamos. E ela passava o arroz no espremedor de batatas. No daqui, os grãos vão inteirinhos", diz Maria Helena. "Bolinho de arroz é um clássico, igual àqueles filmes que a gente vai, vê e revê."
No Pompéia Bar, a receita também é familiar. Se o bolinho de bacalhau veio do lado português do clã, o de arroz veio do italiano, direto do receituário de Beatriz, a "nonna" de dona Ofélia Figueiredo, 78, mãe do proprietário, José Luiz. "É uma receita simples e saborosa que antigamente todo mundo fazia, porque quase não havia esses outros bolinhos que existem hoje, de queijo, de camarão, de milho verde."
Dona Olga diz que o segredo é deixar o arroz cozinhar um pouquinho mais, para o interior do bolinho ficar molinho, e caprichar na salsa. "Em casa, quando sobrava arroz, a gente já colocava um pouco de leite para ele amolecer", conta.

Batata e coco
Da mesma forma que a receita varia de avó para avó, de mãe para mãe, os bolinhos de cada bar paulistano têm as suas particularidades e os seus segredos. Se alguns mantêm o modo caseiro de prepará-los, outros recorrem à inclusão de ingredientes impensados, criando petiscos igualmente saborosos, porém diferentes.
No Filial, são as mãos, e não a colher, que dão formato (de croquete) aos bolinhos empanados com farinha de rosca, receita do cozinheiro Antonio Ferreira. Além disso, eles levam batata cozida e muito parmesão -tanto que, a cada mordida, puxa-se um fio de queijo. Ao lado do caldinho de feijão, o bolinho de arroz é um dos itens "imexíveis" - cerca de 3.600 unidades são vendidas por mês. "Não podemos tirá-lo de jeito nenhum do cardápio", diz Elenice Altman, consultora gastronômica do bar. "Se mudar um funcionário da cozinha e ele não seguir direitinho a receita, o público percebe."
O do Astor leva um bocado de coco ralado. "Já fiz tantos bolinhos de arroz que eu poderia até escrever um livro. Nunca um igual ao outro", diz a chef-consultora Ana Soares, que assina a receita do bolinho. "A colheradinha de coco veio de uma comadre da minha mãe. Deixa crocante e dá umidade."

Herança cultural
O chef Francisco Rebêlo, professor de gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, acredita que o bolinho de arroz brasileiro pode ter se originado de uma receita siciliana que também aproveita sobras, mas de risoto (feito com arroz arbóreo), posteriormente recheadas com queijo. "O arancino italiano pode ter influenciado de alguma forma este bolinho de arroz nacional", diz.
Por outro lado, Edgard Bueno da Costa, sócio do Astor e pesquisador da cultura de boteco, atribui a origem do quitute aos portugueses: "Eu apostaria que a origem dele é portuguesa, pela "ascendência" da comida de bar. É uma extensão da cozinha caseira, da cozinha da mulher do dono do bar, que, por sua vez, está na categoria das receitas nascidas do aproveitando das sobras", diz. "Tem que lembrar sempre a mãe de fazer arroz para sobrar."


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