São Paulo, domingo, 27 de março de 2011 |
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CRÍTICA MUSICAL Olhar corrosivo alimenta humor de montagem virtuosa DUPLA DÁ CONTA DE SUSTENTAR UMA CURVA DRAMÁTICA COM TRAÇOS MELODRAMÁTICOS SEM ABANDONAR O HUMOR CÁUSTICO LUIZ FERNANDO RAMOS ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK A comédia da religião. "The Book of Mormon" promete ser o musical mais bem-sucedido do ano na Broadway. A receita para esse êxito artístico remete às origens do cômico -o olhar impiedoso para o ridículo da condição humana-, mas conta também com uma trinca de artistas talentosos. A experiência de Robert Lopez como compositor de musicais e o gênio de Trey Parker e Matt Stone para satirizar a vida contemporânea somaram-se para tratar um tema a princípio pouco afeito ao gênero. O resultado encanta pela mirada corrosiva, que arranca gargalhadas ininterruptas, e surpreende por estender a sátira ao próprio formato de que se serve. O espetáculo começa com a formatura de um grupo de jovens missionários, prontos a sair pelo mundo em duplas divulgando a doutrina de Joseph Smith Jr., o responsável pela publicação do livro de Mórmon no século 19. Logo surgem, além do próprio Smith Jr, seu antepassado egípcio e um Jesus cheio de luzes e meio gay. Eles narram rapidamente a saga mórmon. Estrategicamente, no entanto, os protagonistas são o mais e o menos aplicado entre os formandos. Essa dupla de contrários dá conta de sustentar uma curva dramática com traços melodramáticos sem nunca, porém, abandonar o humor cáustico. Andrew Rannells, o bom menino arrivista que sonhava catequizar fiéis em Orlando, e Josh Gad, o gordinho desajustado que nunca chegou a ler o livro em questão, são caricaturas felizes. Os dois são enviados à África para uma comunidade carente de qualquer conforto, contaminada pela Aids e dominada por um tirano tribal. Ali ocorrerá a reviravolta previsível que, no embalo de belas canções e ótimos desempenhos de todos os atores e atrizes, irá arrebatar a plateia. O curioso no cômputo geral da encenação é que, numa operação de metalinguagem imprevista, graças à estranheza do tema, aparentemente avesso ao tratamento do teatro de variedades, se satiriza os próprios musicais. Isso seria impossível se a qualidade das canções e das coreografias não alcançasse os padrões de excelência do teatro norte-americano. É operando na potência máxima do virtuosismo, dentro do contexto de irreverência em que a trama transcorre, que "The Book of Mormon" se permite ironizar as convenções que abraça. A América conservadora se curva à graça da piada. THE BOOK OF MORMON AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Musical reflete acidez de "South Park" Próximo Texto: Vanessa vê TV: Acredite... se quiser Índice | Comunicar Erros |
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