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CRÍTICA
A propósito de "Senta a Pua!"
VLADIMIR CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O filme documentário "Senta a Pua!", de Erik de Castro,
apresentado no penúltimo Festival de Brasília e em tantos outros
pelo mundo, vem agora a público.
As escassas e perdidas incursões
do cinema nacional pelo chamado filme de guerra foram trêfegas
(inclusive um certo "Asas da Vitória") e assinaladas pela falta de
uma maior vivência e convicção,
pois falávamos de uma coisa que
não conhecíamos de perto como
era o caso da guerra.
Sequer tivemos iniciativa de
realizar, como fizeram os exércitos melhor estruturados (os americanos celebrizaram a série
"Why We Fight"? "Por que Lutamos?"), a documentação cinematográfica de nossa participação,
que embora discreta foi em certo
momento decisiva para a vitória
aliada contra o Eixo.
Com o longo documentário de
Erik de Castro, começamos a
amortizar esta dívida, pelo menos
no que diz respeito à participação
de nossa força aérea no combate
ao nazi-fascismo naquela Europa
conflagrada dos anos 40.
O relato inédito no cinema brasileiro ressente-se da falta de arquivo filmado por ocasião do
conflito, e na reconstituição dos
fatos, depois de exaustiva pesquisa, o realizador só encontrou, por
um feliz acaso, um único rolo de
16 milímetros, perdido no fundo
do baú, no quarto de despejo de
um de seus entrevistados no Rio
Grande de Sul.
No entanto, visto o filme no seu
conjunto, Erik foi proverbial ao
descobrir e trazer à luz o núcleo
principal e remanescente do grupo de caça da FAB que esteve na
guerra. Velhos e doces guerreiros
no acaso da vida, escondidos hoje
num quase anonimato mais de
cinco décadas depois dos acontecimentos em que, queiramos ou
não, foram os nossos heróis.
E aqui temos de reconhecer: se
paga um preço alto pela nossa falta de memória filmada, Erik, por
outro lado, foi bafejado pelo destino ao encontrar na hora certa essa
espécie de clube de comoventes
senhores septuagenários, e deles
colher depoimentos tão precisos e
preciosos.
Ainda mais porque, por alguma
razão especial, mantêm quase todos excepcional lucidez e memória dos fatos. Como aqueles personagens da outra Guerra Mundial, a primeira, retratados por
outro Erich (esse grafado com ch)
o Maria Remarque, no seco mas
contundente "Nada de Novo na
Frente Ocidental", romance que
ficou célebre.
E é impressionante como fica
clara a competência desse grupo,
a sua discreta mas eficiente atuação, a sua colocação nos combates, a noção de compromisso e a
convicção de estar do lado certo
nisto que foi a mais decisiva batalha para a sobrevivência da humanidade neste século ensandecido.
E o que mais comove nisso tudo, e muito por conta da concepção despojada e respeitosa do filme, é a ausência de afetação, é a
simplicidade, o jeito fraternal de
se tratarem entre si esses velhos
camaradas, que guardam a memória do perigo e da morte iminente repartida entre eles.
A solidariedade antiga que agora é a mais pura ternura entre homens calejados. Hoje são ex-combatentes que sentam para contar
suas histórias, muitas delas dignas
das crônicas de um Rubem Braga,
sublime escrivão das coisas mais
sutis dessa jornada na Itália.
Ou de um Saint Exupéry, com
que esses ases brasileiros fatalmente cruzaram em ação nos
céus da Tarquínia ou da Sicília,
autor do pungente "Piloto de
Guerra", outro romance da guerra denso de poesia e espanto.
Um deles contou a saga humana desse "sfollato", Danilo Moura, que, abatido pelas baterias antiaéreas, emerge milagrosamente
dos destroços do seu caça e atravessa como um espectro, ferido e
em farrapos, campos e aldeias,
cruzando com as tropas alemães,
a quem pede cigarros e restos de
comida. E acaba por escapar da
morte contrariando todos os manuais de sobrevivência na guerra,
reencontrando por fim a tropa
brasileira.
Uma história dentro de outra,
como uma sugestão que muitas
vezes pode ser colhida do contexto dos documentários e migrar
para o filme de ficção tal a força
que possui.
Senta a Pua!
Direção: Erik de Castro
Produção: Brasil, 2000
Quando: a partir de hoje nos cines
Espaço Unibanco, Interlar Aricanduva,
Jardim Sul e SP Market
Vladimir Carvalho é documentarista e
autor de "O País de São Saruê", "Conterrâneos Velhos de Guerra" e "Barra 68"
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