São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 2006

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4 X Gerald

Caio Guatelli/Folha Imagem
Elenco das peças de Gerald Thomas durante ensaio de "Um Bloco de Gelo em Chamas"



O diretor estréia quatro montagens ao mesmo tempo, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo

Em homenagem ao dramaturgo Samuel Beckett, o encenador subirá ao palco pela primeira vez



SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Já havia se passado mais de uma hora de entrevista quando a jornalista fez menção de encerrá-la. "Como assim? Nós não vamos falar das peças?", disse Gerald Thomas. "Eu preciso vender as peças, não a mim mesmo."
Falar das quatro novas peças do diretor e autor, que estréiam hoje no Sesc Vila Mariana (SP), era, justamente, a razão daquele papo no saguão do flat em que Gerald vive temporariamente.
A conversa, entretanto, já tinha se desviado para as opiniões do encenador sobre a herança modernista, o 11 de Setembro, a política externa norte-americana, o Ministério da Cultura, o mensalão, o tráfico de órgãos, a má qualidade dos programas televisivos e a falta de memória dos brasileiros.
Isso porque Gerald Thomas Seevers, 50, um dos mais importantes e inovadores encenadores brasileiros, vem alimentando nos últimos anos uma egolatria que atropela as próprias montagens.
Mas, se por um lado isso colabora para folclorizar sua imagem diante da mídia, por outro contagia seus textos, de uma maneira um tanto original, com preocupações e provocações pessoais bastante contemporâneas e urgentes, como as listadas acima.
É o caso dos enredos desta quadrilogia, que chega na carona do êxito de público e crítica de "Um Circo de Rins e Fígados" (2005).
Em "Asfaltaram o Beijo", o próprio Gerald sobe ao palco e conversa com o autor que mais exerceu influência sobre ele, o irlandês Samuel Beckett (1906-1989).
"Um Bloco de Gelo em Chamas" terá o ator e companheiro de longa data Luiz Damasceno num papel feminino, encarnando uma atriz veterana que tenta salvar a carreira do marido cineasta na produção de um filme B.
Já "Terra em Trânsito" traz Fabiana Guglielmetti como uma atriz que está presa num camarim e dialoga com um cisne prestes a virar patê. "Brasas no Congelador", que será a estréia do apresentador de "Altas Horas", Serginho Groisman, no teatro, faz críticas à TV. Por problemas familiares, Groisman não estará na apresentação de hoje, só para convidados. Seu texto será lido pelo ator Pancho Cappeletti. No domingo, o apresentador volta ao elenco.
O mesmo bom humor de "Circo" desdobra-se pelos quatro espetáculos, mas Gerald não concorda com a idéia de que hoje esteja mais cômico. "Eu sempre fui engraçado", diz. "Não sei por que dizem que só agora estou fazendo comédias. O "Império das Meias Verdades" e "Eletra com Creta" eram engraçados. As pessoas não têm memória. E a iluminação era diferente, tudo era dark, preto-e-branco. Isso dificultava o riso, mas ele sempre esteve lá."
A crítica à falta de memória surge revestida de uma dose de humor negro. Em "Terra em Trânsito", por exemplo, Paulo Francis, em ótima imitação do próprio Gerald, surge com um comentário tipicamente politicamente incorreto. "Francis não pode ser esquecido. É o Richard Wagner do jornalismo brasileiro. Mitômano, nazista, mas um brasileiro culto e com opiniões formadas. Hoje, as pessoas não sabem quem ele foi."

Política
Em artigo publicado na Folha, Gerald defendeu a Varig, criticando a posição de Lula diante da crise pela qual passa a companhia aérea. "Mas eu não vou cair em cima do Lula como as pessoas esperam. Acho que o brasileiro tem tendência a criticar quem está eleito. Mas esse é o país da má administração, é um problema orgânico. Lula não é um trabalhador, é um sindicalista, um político. E tudo o que é política é sujo." O diretor acrescenta que não vê diferenças entre Lula e FHC. "Exceto algo importante que o Lima Duarte apontou em entrevista à Ilustrada, que é o fato de esse governo estar promovendo a glamourização da ignorância, o que é mesmo um horror."

"UM BLOCO DE GELO EM CHAMAS" E "ASFALTARAM O BEIJO" (às qui. e sáb., às 20h). "TERRA EM TRÂNSITO" E "BRASAS NO CONGELADOR" (às sex., às 20h, e dom., às 18h). Quanto: de R$ 15 a R$ 30. Estréia hoje, às 20h, para convidados, no teatro do Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 0/xx/11/ 5080-3000)


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