CRÍTICO DA FOLHA

Ler o "Caçador de Autógrafos" é como andar de montanha-russa, mas daquelas em que você não sabe bem para onde está sendo levado. Pode ser ao "looping" do "Zohar", o livro supremo da cabala, mas também para um esquema extraído de uma piada do comediante Lenny Bruce, que divide o mundo entre judeus e não-judeus ou góis.("gelatina de limão é gói...os negros são todos judeus"). Da cultura pop à ciência, do esoterismo ao mundo das celebridades, o livro é uma esponja referencial. O protagonista, Alex-Li Tandem, é um jovem que comercializa autógrafos. Sua vida é vazia. Desloca-se por toda parte, mas parece estar existencialmente paralisado. Crítica ou sátira à sociedade icônica atual? Talvez não, na visão do ensaísta James Wood. Em torno do Alex, "giram um texto incapaz de ficar sobriamente em pé, uma saraivada barulhenta de piadas, referências culturais bacanas, citações, listas e itálicos ruidosos". O problema, para Wood, não está no emprego em si de toda essa mixórdia. Mas no fato de que, ao usá-la como argamassa da construção, ao encampar as idéias e atitudes que pretende criticar, Zadie pode ter envenenado a obra inteira apenas para "enfatizar um único germe moderno". A falta de distanciamento mata a ironia? Eis o fulcro da questão. A literatura está repleta de obras em que o autor mergulha junto nas atribulações de seus personagens, a ponto de modificar a estrutura da narrativa para acomodá-las. Joyce fez isso em "Ulisses", e Guimarães Rosa em "Grande Sertão". Mas tanto Bloom quanto Riobaldo são figuras complexas, e Alex, como diz corretamente Wood, é um "centro vazio". Sendo um oco, porém, Alex pode estar à espera de um leitor para ser preenchido. Pode ser a imagem de qualquer um de nós, góis ou judeus, perdidos num mundo fraturado por um turbilhão de imagens. Assim, a obra de Zadie ganha nova dimensão. (MP)

O CAÇADOR DE AUTÓGRAFOS     Autor: Zadie Smith Tradução: Beth Vieira Editora: Companhia das Letras Quanto: R$ 49 (392 págs.)