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Surpresas em Cannes ameaçam Almodóvar
A cerimônia de encerramento e o anúncio dos vencedores serão amanhã
Na reta final do festival, o português "Juventude em Marcha" e o francês "Quand J'Étais Chanteur" confundem disputa pela Palma de Ouro
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Uma onda de surpresas varreu a reta final do 59º Festival
de Cannes, dissipando a certeza de boa parte da crítica de que
a Palma de Ouro havia se definido no terceiro dia da mostra
(19/5), quando o filme "Volver", de Pedro Almodóvar, teve
sua sessão oficial.
A cerimônia de encerramento do festival, com anúncio dos
vencedores, ocorre amanhã. Os
dois últimos concorrentes entre os 20 que disputam a Palma
de Ouro serão apresentados
hoje -"El Laberinto del Fauno", do mexicano Guillermo
Del Toro, e "Crónica de una Fuga", do argentino Adrián Caetano. Mas foram os candidatos
exibidos ontem -o português
"Juventude em Marcha", de
Pedro Costa, e o francês
"Quand J'Étais Chanteur"
(quando eu era cantor), de Xavier Giannoli- que embaralharam as apostas.
Os dois filmes têm em comum o elogio do passado. E
apenas isso. O presidente do júri, o cineasta chinês Wong Kar-wai, teria se encantado pelo
longa de Costa, diziam ontem
jornalistas portugueses.
Reação
O fato é que "Juventude em
Marcha", que acompanha o cotidiano de uma comunidade
pobre nos arredores de Lisboa,
com a câmera praticamente parada e quase nenhuma ação, é o
mais singular filme da competição e o que causou a reação
mais eloqüente na imprensa. A
quase totalidade dos jornalistas
presentes à primeira sessão do
filme se levantou e foi embora,
muito antes que seus 154 minutos terminassem.
Costa disse que seu filme exige da platéia "uma sensibilidade e atenção" que talvez sejam
incompatíveis com "o ambiente de tensão" que domina Cannes. Registro da vida real de
não-atores, "Juventude em
Marcha" "não é uma criação,
mas um encontro", diz Costa.
A celebração de um modo de
vida em extinção é o substrato
de "Quand J'Étais Chanteur",
que fez de Gérard Depardieu
favorito imediato ao prêmio de
ator. Depardieu é Alain Moreau, cantor de bailes remanescente da velha tradição da
"chanson française", com seus
arranjos orquestrais e seu pendor ao brega.
Por acaso, ele se apaixona pela jovem e linda Marion (Cecile
de France) e passa o filme tentando entendê-la e conquistá-la, à moda de uma canção de
Christophe -o da jurássica
"Aline", a quem o longa homenageia.
A diferença entre Moreau e
Marion é notável. Ela é elegante e moderna. Ele usa roupas
cafonas e pinta os cabelos, num
artifício para rejuvenescer sua
platéia e a si mesmo. Mas ele
faz questão de ficar à margem
de MP3, Ipods e toda novidade
tecnológicas na esfera do consumo musical.
Filme-cúmplice de quem se
tornou anacrônico ao não embarcar na canoa da música eletrônica, "Quand J'Étais Chanteur" termina com uma mensagem de conformada resistência. Depardieu interpreta (com
sua própria voz, como em todo
o filme), a música-título, que
diz: "Não entendo muito o que
está acontecendo agora, mas
continuo cantando as minhas
músicas e me divertindo com
elas".
Além do reconhecimento a
Depardieu, "Quand J'Étais
Chanteur" não parece se candidatar a mais prêmios. Porém
tornou-se clichê neste Festival
de Cannes acompanhar toda
suposição com a frase: "Kar-wai é imprevisível".
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