São Paulo, quarta, 27 de maio de 1998

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Décio Pignatari se proclama o "designer da linguagem'

Fabiano Accorsi - 28.mai.96/Folha Imagem
O "designer da linguagem" Décio Pignatari, que será homenageado hoje à noite na PUC de São Paulo



Ao ser homenageado com edição comemorativa de seu conto "Frasca", de 86, poeta, ensaísta e publicitário renega suas "antigas" profissões: "Não tenho interesse nenhum em me expressar. Quero dizer e experimentar coisas"


BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha

Passados 40 anos do "plano piloto" que lançou a poesia concreta no cenário literário brasileiro, Décio Pignatari, um dos três ideólogos do movimento, ao lado dos irmãos Campos, não quer ser lembrado como poeta, ensaísta ou publicitário -profissões que exerceu ao longo dos seus 70 anos-, mas como "designer da linguagem".
Pignatari, que será homenageado hoje na PUC (leia texto nesta página) com uma edição comemorativa de seu conto "Frasca", de 86, só pensa agora no grande romance de sua vida.
"Venho pela primeira vez declarar publicamente que quero que a língua portuguesa ultrapasse finalmente o nível da língua e vire linguagem", proclama, com a indefectível boina, do alto de um apartamento ladrilhado em Perdizes (zona oeste de São Paulo).
Seu novo romance, ainda em gestação e com o título provisório -"e joyceano", acrescenta- de "Obra em Obras: O Brasil", pretende, segundo o próprio autor, completar essa "revolução".
"Quero ser lembrado como aquele que pensou a linguagem verbal e não-verbal enquanto designer, não como sujeito que quer se expressar. Não tenho interesse nenhum em me expressar. Quero dizer e experimentar coisas", diz.

Folha - Na sua biografia publicada em "O Rosto da Memória", de 1986, você escreveu que já tinha feito meia revolução na poesia e agora pretendia fazer mais meia revolução na prosa. Esse romance é o exemplo dessa revolução?
Décio Pignatari -
É mais do que o exemplo. É a obra final da minha vida. Veio a roda-viva da poesia concreta e me levou por 30 anos. Mas eu na verdade sempre tive essa fixação pela prosa. Na poesia, nós demos a volta por cima. A poesia concreta foi uma coisa tão nova que o próprio Ezra Pound levou um susto e não aceitou.
Folha - Você acha que o seu livro de contos, "O Rosto da Memória", o romance "Panteros" e esse de agora, em andamento, representam essa revolução da prosa?
Pignatari -
É a resposta brasileira ao boom latino-americano.
Folha - Como assim?
Pignatari -
É, porque o Rosa (Guimarães) foi uma exceção. O Rosa é nível A, o resto da prosa brasileira é nível B e C.
Folha - Quer dizer que o "Panteros" é "nível A"?
Pignatari -
Não chega a ser A, mas é quase. A idéia é essa.
Folha - E o "Frasca" seria o quê?
Pignatari -
O "Frasca" está ali no B mais, "B plus".
Folha - Então seria Guimarães Rosa em primeiro lugar, seguido por "Panteros" e "Frasca"?
Pignatari -
Nesse novo romance, quero chegar ao nível épico do Rosa e do Euclides.
Folha - Quem você admira hoje como escritor?
Pignatari -
Ninguém. Também não acompanho tanto. A gente fica um pouco blasé, um pouco cínico, e lê tudo em diagonal.
Folha - Por quê?
Pignatari -
Porque as obras são redundantes. Entre os contemporâneos, para mim não há ninguém. Não há prosa no mundo moderno.
Folha - Você conhece Thomas Bernhard?
Pignatari -
Não. De onde ele é? É americano?
Folha - Não. Austríaco. Morreu há dez anos... Qual o legado da poesia concreta?
Pignatari -
Ela foi a primeira manifestação clara e sistemática de que o universo verbal estava agonizante e era preciso revivificá-lo com o Viagra do não-verbal. É impossível você entender hoje uma prosa que não se abra para a mídia ou outros sistemas de signos, música, visualidade, TV, quadrinhos. O "plano piloto" para a poesia concreta foi sem dúvida o último grande manifesto na área da literatura deste século.
Folha - Não haveria o risco de um certo provincianismo nesse fascínio pela indústria, pelas novas mídias, pelas novas tecnologias, um fascínio com uma modernidade só de superfície?
Pignatari -
Eu busco um Brasil internacionalista. Não é coincidência que a Semana de 22 e a poesia concreta aconteçam em São Paulo e não no Rio. São Paulo responde pelo Brasil industrial. O novo Brasil que começa com a migração euro-nipônica, que traz toda uma nova tradição, com a bagagem de um século de revolução industrial nas costas. Não tem essa de provincianismo, mas de estabelecer valores internacionais.
Folha - Por que fazer, por exemplo, poemas holográficos como se fossem o supra-sumo da modernidade quando a holografia acabou se mostrando um cacoete tecnológico passadista?
Pignatari -
É difícil dizer. Espere até que a holografia cinética surja. Uma idéia nova nunca pode ser majoritária. Einstein, a teoria da relatividade, por exemplo. Para fazer coisa para a massa, você tem de fazer para hoje, se quer ter sucesso. Os grandes criadores têm um público no tempo, a longo prazo.
Folha - Por muito tempo você foi fascinado pela publicidade. Isso se reflete também na sua poesia. O que você acha da publicidade?
Pignatari -
A organização de uma agência publicitária era já nos anos 50 a mais moderna que havia. A agência de publicidade é puro software, só tem cabeça, redator, grupo de criação, "layout man", diretor, e terceiriza tudo.
Folha - E para que serve isso?
Pignatari -
Para quê?! A publicidade é a poesia do consumo. É ela que mostra o ambiente cultural da massa.
Folha - Ela não mostra, ela o fabrica.
Pignatari -
Quem você pensa que pagava o ateliê de Rubens? Você pensa que Rafael vivia de quê? A Igreja pagava! Consumir não é pecado. Consumismo é pecado.
Folha - Mas a publicidade é o motor do consumismo. Uma sociedade fabricada pela publicidade e pelo marketing exclui a possibilidade dessas idéias que você elogia como não-majoritárias.
Pignatari -
Mas é na publicidade que você treina, experimenta e faz a fricção de todas as linguagens. Sempre haverá alguém no subsolo escrevendo uma obra que não será entendida no seu tempo.



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