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Décio Pignatari se proclama o "designer da linguagem'
Fabiano Accorsi - 28.mai.96/Folha Imagem
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O "designer da linguagem" Décio Pignatari, que será homenageado hoje à noite na PUC de São Paulo
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Ao ser homenageado com edição
comemorativa de seu conto
"Frasca", de 86, poeta, ensaísta e
publicitário renega suas "antigas"
profissões: "Não
tenho interesse nenhum em me
expressar. Quero dizer e
experimentar coisas"
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BERNARDO CARVALHO
especial para a Folha
Passados 40 anos do "plano piloto" que lançou a poesia concreta no cenário literário brasileiro,
Décio Pignatari, um dos três ideólogos do movimento, ao lado dos
irmãos Campos, não quer ser lembrado como poeta, ensaísta ou publicitário -profissões que exerceu ao longo dos seus 70 anos-,
mas como "designer da linguagem".
Pignatari, que será homenageado hoje na PUC (leia texto nesta
página) com uma edição comemorativa de seu conto "Frasca",
de 86, só pensa agora no grande
romance de sua vida.
"Venho pela primeira vez declarar publicamente que quero que a
língua portuguesa ultrapasse finalmente o nível da língua e vire
linguagem", proclama, com a indefectível boina, do alto de um
apartamento ladrilhado em Perdizes (zona oeste de São Paulo).
Seu novo romance, ainda em
gestação e com o título provisório
-"e joyceano", acrescenta- de
"Obra em Obras: O Brasil", pretende, segundo o próprio autor,
completar essa "revolução".
"Quero ser lembrado como
aquele que pensou a linguagem
verbal e não-verbal enquanto designer, não como sujeito que quer
se expressar. Não tenho interesse
nenhum em me expressar. Quero
dizer e experimentar coisas", diz.
Folha - Na sua biografia publicada em "O Rosto da Memória", de
1986, você escreveu que já tinha
feito meia revolução na poesia e
agora pretendia fazer mais meia
revolução na prosa. Esse romance
é o exemplo dessa revolução?
Décio Pignatari - É mais do que
o exemplo. É a obra final da minha
vida. Veio a roda-viva da poesia
concreta e me levou por 30 anos.
Mas eu na verdade sempre tive essa fixação pela prosa. Na poesia,
nós demos a volta por cima. A poesia concreta foi uma coisa tão nova
que o próprio Ezra Pound levou
um susto e não aceitou.
Folha - Você acha que o seu livro
de contos, "O Rosto da Memória",
o romance "Panteros" e esse de
agora, em andamento, representam essa revolução da prosa?
Pignatari - É a resposta brasileira ao boom latino-americano.
Folha - Como assim?
Pignatari - É, porque o Rosa
(Guimarães) foi uma exceção. O
Rosa é nível A, o resto da prosa
brasileira é nível B e C.
Folha - Quer dizer que o "Panteros" é "nível A"?
Pignatari - Não chega a ser A,
mas é quase. A idéia é essa.
Folha - E o "Frasca" seria o quê?
Pignatari - O "Frasca" está ali
no B mais, "B plus".
Folha - Então seria Guimarães
Rosa em primeiro lugar, seguido
por "Panteros" e "Frasca"?
Pignatari - Nesse novo romance, quero chegar ao nível épico do
Rosa e do Euclides.
Folha - Quem você admira hoje
como escritor?
Pignatari - Ninguém. Também
não acompanho tanto. A gente fica
um pouco blasé, um pouco cínico,
e lê tudo em diagonal.
Folha - Por quê?
Pignatari - Porque as obras são
redundantes. Entre os contemporâneos, para mim não há ninguém. Não há prosa no mundo
moderno.
Folha - Você conhece Thomas
Bernhard?
Pignatari - Não. De onde ele é?
É americano?
Folha - Não. Austríaco. Morreu
há dez anos... Qual o legado da
poesia concreta?
Pignatari - Ela foi a primeira
manifestação clara e sistemática de
que o universo verbal estava agonizante e era preciso revivificá-lo
com o Viagra do não-verbal. É impossível você entender hoje uma
prosa que não se abra para a mídia
ou outros sistemas de signos, música, visualidade, TV, quadrinhos.
O "plano piloto" para a poesia
concreta foi sem dúvida o último
grande manifesto na área da literatura deste século.
Folha - Não haveria o risco de um
certo provincianismo nesse fascínio pela indústria, pelas novas mídias, pelas novas tecnologias, um
fascínio com uma modernidade só
de superfície?
Pignatari - Eu busco um Brasil
internacionalista. Não é coincidência que a Semana de 22 e a poesia concreta aconteçam em São
Paulo e não no Rio. São Paulo responde pelo Brasil industrial. O novo Brasil que começa com a migração euro-nipônica, que traz toda
uma nova tradição, com a bagagem de um século de revolução industrial nas costas. Não tem essa
de provincianismo, mas de estabelecer valores internacionais.
Folha - Por que fazer, por exemplo, poemas holográficos como se
fossem o supra-sumo da modernidade quando a holografia acabou
se mostrando um cacoete tecnológico passadista?
Pignatari - É difícil dizer. Espere até que a holografia cinética surja. Uma idéia nova nunca pode ser
majoritária. Einstein, a teoria da
relatividade, por exemplo. Para fazer coisa para a massa, você tem de
fazer para hoje, se quer ter sucesso.
Os grandes criadores têm um público no tempo, a longo prazo.
Folha - Por muito tempo você foi
fascinado pela publicidade. Isso se
reflete também na sua poesia. O
que você acha da publicidade?
Pignatari - A organização de
uma agência publicitária era já nos
anos 50 a mais moderna que havia.
A agência de publicidade é puro
software, só tem cabeça, redator,
grupo de criação, "layout man",
diretor, e terceiriza tudo.
Folha - E para que serve isso?
Pignatari - Para quê?! A publicidade é a poesia do consumo. É
ela que mostra o ambiente cultural
da massa.
Folha - Ela não mostra, ela o fabrica.
Pignatari - Quem você pensa
que pagava o ateliê de Rubens? Você pensa que Rafael vivia de quê? A
Igreja pagava! Consumir não é pecado. Consumismo é pecado.
Folha - Mas a publicidade é o motor do consumismo. Uma sociedade fabricada pela publicidade e
pelo marketing exclui a possibilidade dessas idéias que você elogia
como não-majoritárias.
Pignatari - Mas é na publicidade que você treina, experimenta e
faz a fricção de todas as linguagens. Sempre haverá alguém no
subsolo escrevendo uma obra que
não será entendida no seu tempo.
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