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TEATRO
Com trama nonsense e jogo de "máscaras" entre personagens, nova peça de Flávio de Souza é lida hoje na Folha
"Algo Azul" propõe enigma no velório
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Parece piada, mas Flávio de
Souza adora velório. É um espaço
dileto em sua dramaturgia. Em
"Fica Comigo Esta Noite" (88),
por exemplo, um defunto sai do
caixão para "reviver" pendências
com a mulher que o vela.
Na sua peça mais recente, "Algo
Azul" (98), que será lida hoje na
Folha (leia ao lado), o velório
também é sugerido por flores e algumas cadeiras. Dispensa-se o
caixão, mas seu ocupante desponta como terceiro personagem da
trama.
A Viúva (sem nome) está sozinha na sala velando o marido. Todos os presentes foram tomar um
café na esquina e a deixaram só. É
neste momento que Angela entra
em cena. Elas protagonizam um
diálogo nonsense. Sobrepõem
suas próprias "máscaras" de personagens e enredam outros, inclusive na entonação de voz, o que
pode ser entendido também como um exercício metateatral.
"Todo mundo faz isso na vida,
representando o tempo todo. Eu,
por exemplo, me sinto um verdadeiro palhaço em determinadas
situações, assim como me transformo quando estou de terno e
gravata. Parece uma fantasia mesmo", diz Souza.
O enredo é intrincado de tal forma que não se pode detalhar muita coisa.
Há um mote real que inspirou o
autor, um gesto radical de amor
que um marido manifesta por sua
mulher.
Esse enigma é delineado no próprio título. Mas o espectador só
poderá desvendá-lo por inteiro na
leitura de hoje à noite ou na montagem que, por enquanto, está ancorada no desejo de vê-la no palco. Só não se sabe quando, onde
ou como, segundo o autor.
Sobre a utilização do velório como espaço cênico (nem sempre
explícito, ressalva), Souza apela à
psicologia humana. "Quem acaba
de perder uma pessoa sente enorme necessidade de falar, sem pudores, sobre o morto e principalmente sobre si", acredita.
"Algo Azul" será lida por Lígia
Cortez (Viúva), Patricia Gaspar
(Angela) e Renato Scarpin (Ele, o
morto). O próprio autor vai dirigir e pontuar as rubricas, aqui
fundamentais para acompanhar a
história.
Um exemplo:
"Angela - Ela falou tão bem de
você. Com tanto carinho.
Viúva - Só falta você me dizer
que ela disse que se arrependeu.
Angela - Não.
Viúva - (Imitando Angela) Isso
ela não me disse.
Angela - (Imitando Malu) Credo!
(Elas conversam como se Viúva
fosse Angela e Angela fosse Malu.)"
Essa brincadeira vertiginosa
ocupa boa parte dos diálogos em
"Algo Azul", exigindo bastante
atenção do espectador.
Trata-se da 59ª peça de Souza.
Ele confessa que tentou parar
com a dramaturgia. "Está cada
vez mais difícil convencer o público a sair de casa para ir ao teatro",
argumenta. Mas desistiu. Continua escrevendo também roteiros
para televisão e cinema.
Aliás, o 60º texto, "Peça Com
Dois Atores e Pouco Cenário", está quase pronto. O assunto? Um
dramaturgo em crise... Mais autobiográfico, impossível.
Atualmente Souza cria roteiros
para um novo projeto da TV Cultura, "Ilha Rá-Tim-Bum".
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