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ORQUESTRA DO SÉCULO 18
Quando a esperança é maior do que a revelação
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Com um programa desses,
não tem erro: o melhor de
Haydn e o melhor de Mozart. Mas
há uma distância considerável entre ausência de erro e acerto; e infinitamente maior entre acerto e
gênio. E era só uma terça-feira ordinária na ordinária cidade de São
Paulo. Foi um bom concerto da
Orquestra do Século 18, numa
noite sem maiores pretensões.
A orquestra atacou com energia
a "Sinfonia nš 83" de Haydn
(1732-1809). Eletricidade, acentos,
silêncio. Surpresas devidamente
teatrais, que cada um vive internamente, sem deixar de se deliciar
com a inteligência da música.
A 83 é conhecida como "A Galinha", por conta do segundo tema
ciscador; e, em momentos assim,
a qualidade de som dos instrumentos antigos é imbatível.
Também, para dar outro exemplo, no "Allegretto" do terceiro
movimento, que Zehetmair fez
soar só com a flauta e um quarteto
de cordas. (Destaque para o flautista Konrad Hünteler -mas
frustrante para a torcida local, que
esperava ver Ricardo Kanji no
palco.)
Haydn é uma das satisfações garantidas de quem já desenhou para si o mapa da música. Foi bom
escutar sua música tocada de modo tão direto, tão franco -o modo da Europa provinciana, não o
da Paris pré-Bastilha. O que só fez
redobrar a força de suas ironias
cosmopolitas.
Já a "Sinfonia Concertante", para violino, viola e orquestra, de
Mozart (1756-91), não tem muito
a ganhar com essa inversão. Composta em 1779, na mais-que-provinciana Salzburgo, concentra
milagres excepcionais até para os
padrões de Mozart. E isso literalmente desde o primeiro acorde,
que recompõe na orquestra inteira o som da viola. A possibilidade
de encenar dramaticamente entradas e diálogos dos instrumentos, como se fossem parte de um
drama, mas sem perder por um
segundo a coerência orgânica da
música -em outras palavras: o
estilo clássico-, chega aqui a um
ponto insuperado e insuperável.
Tanto mais charmoso o efeito
dos solistas, Zehetmair (violino) e
Ruth Killius (viola), de costas para
a platéia no início, girando aos
poucos, até a entrada do seu primeiro tema. Os dois tiveram
grandes momentos juntos, com
requintes de dinâmica minuciosamente sincronizados. Em particular na cadência do segundo
movimento, com a música quase
perdida no silêncio, refazendo-se,
de dentro para fora de si, e convocando a atenção de todos nós, de
fora para dentro de Mozart.
Pena que a atenção do resto da
orquestra nem sempre estivesse
no mesmo plano. Acontece, e
nem chegou a ser grave (mas também não irrelevante).
O melhor e o pior dessa "Sinfonia Concertante": certo espírito
campestre, que se acentuou, depois, na "Sinfonia nš 39". As beatitudes da 39 foram traduzidas por
Zehetmair para um idioma mais
duro e mais puro, tanto do ponto
de vista acústico quanto afetivo.
Mas a esperança de pureza soou
maior do que a revelação; e o que
funciona tão bem em Haydn exige outro grau de filosofia para
Mozart.
É aquela distância entre acertos
que se persegue sempre, com resultados variáveis, de um lado e
de outro do palco -até numa
noite ordinária, na extraordinária
São Paulo.
Orquestra do Século 18
Programa: Haydn, Mozart,
Mendelssohn
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 198, tel. 0/xx/11/3258-3344)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: de R$ 90 a R$ 180 (R$ 10 para
estudantes, meia hora antes do
espetáculo)
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