São Paulo, domingo, 27 de junho de 2004

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"As gravadoras dançaram", diz Manu Chao

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

No Brasil desde o início da semana, onde ensaiou em estúdio emprestado por Kid Abelha (um de seus muitos amigos na música brasileira), o franco-espanhol Manu Chao falou à Folha.
 

Folha - Parceiro de artistas e grupos tão distintos como Skank, Carlinhos Brown, Circo da Madrugada, qual é sua identificação com o país?
Manu Chao -
A primeira vez que tive a sorte e a oportunidade de chegar ao Brasil foi com o [projeto franco-brasileiro] Cargo 92. Foi um "enamoramento". Conheci o Brasil entrando pelo Rio, de barco. Fiquei um tempo na praça Mauá e, desde então, me reconheço carioca.
O Brasil não é só um país, é um continente. Musicalmente, foi uma grande surpresa. Na Europa, não sabíamos que a música brasileira é tão diversa. Eu me surpreendi muito, por exemplo, com a importância do acordeom e com toda a tradição de repentistas e emboladas do Nordeste.

Folha - Você grava álbuns em estúdios artesanais e alterna a carreira solo com a companhia de bandas diversas. É correto definir Manu Chao como guerrilheiro da música?
Chao -
Meu melhor assistente, na música e na vida, é a casualidade. Trabalhar com a casualidade não lhe permite saber que horas estará ou não inspirado. Minha solução é levar sempre o estúdio comigo.
Graças à tecnologia, agora posso gravar na cozinha, na casa de um amigo, em qualquer lugar. Isso pode ser problemático do ponto de vista da qualidade do som, mas eu sempre privilegiei a emoção. Os grandes estúdios de gravação são muito bons para o som, mas muito ruins para a emoção.

Folha - Como será o show em SP?
Chao -
Quando o fórum me convidou, a banda não estava montada nem pensávamos em fazer uma turnê. Mas falei com Gilberto Gil e decidi tentar, porque tenho um relacionamento bom com Gil.
Consegui reunir alguns dos músicos da Radio Bemba e preparamos um show de certo modo único. Gostaríamos de aproveitar para ficar no Brasil e tocar em outros lugares de que temos saudades, como o Rio e o Nordeste, mas todos temos outros compromissos. O guitarrista Madjid Fahem, por exemplo, vai ser pai dentro de 15 dias e não poderia ficar aqui.

Folha - Em 2003, o projeto de seu show na Espanha ao lado do músico basco Fermín Muruguza suscitou protestos e acusações de suposta apologia ao grupo separatista ETA. Cultura e política estão especialmente imbricadas nos dias atuais?
Chao -
Eu me considero um artista, não um político. Evidentemente tenho minhas opiniões e não as escondo. Mas estou muito afetado pelas coisas que nos aconteceram no ano passado.
O governo [do ex-primeiro-ministro José María Aznar] tratava a mim e a todos os músicos de Radio Bemba como terroristas. Era uma atitude totalmente política, para desacreditar todos os que não pensavam como eles.
Também tenho muitos problemas na Itália do [premiê Silvio] Berlusconi. Cada vez que vou tocar na Itália, há muita pressão policial em torno dos meus shows e uma intenção declarada do governo de dizer, através da imprensa, que meus shows e meu público são negativos para o país.
A política na Europa tem interferido demasiadamente na cultura, desacreditando uns e valorizando outros que não valem nada. Porém quanto mais os governos fazem isso, mais temos de fazer nossas vozes serem ouvidas.

Folha - O Fórum Cultural Mundial pretende discutir os modos de produção e de circulação da cultura. Qual é, na sua opinião, o principal aspecto desse tema?
Chao -
Estamos vivendo um momento muito interessante na música, por exemplo, com uma revolução decorrente dos problemas enfrentados pelas gravadoras, que tinham todo o mercado para elas.
Agora, está tudo mudando. Chegou a internet e uma pirataria cada dia mais forte. As grandes gravadoras estão perdidas, sem saber como reagir diante dessas novidades. O problema básico continua sendo o mesmo -não é como produzir música, mas como distribuí-la, como fazê-la chegar até as pessoas.
A internet fez algo extraordinário, porque permite que qualquer cara da periferia possa fazer sua música chegar ao mundo inteiro. A questão é saber como esse cara pode ganhar a vida assim. A discussão é quem vai controlar a internet. As gravadoras estão tentando desesperadamente conseguir isso, para reservar o mercado para si. Mas penso que elas dançaram. É tarde demais.


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