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LITERATURA
Chico Buarque é vencedor do 2º Concurso Miss Cultura para trechos literários; Adélia Prado leva Miss Simpatia
Da passarela das bibliotecas, escritores elegem miss
JULIÁN FUKS
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE
Palavras bem torneadas, rimas
rijas, estilo no caminhar das frases. Respiração autoral equilibrada, espinha dorsal ereta, olhar alto
e preciso, abrangente. O balançar
de um lado a outro das sílabas, como cachos de uma cabeleira, no
molejo do salto alto a passear pela
passarela das páginas. Vinte centímetros de prosa, 30 de verso.
Cacofonias e deslizes verbais são
desclassificatórios.
"A beleza do texto é fundamental", dizem os escritores Fabrício
Carpinejar e Marcelo Carneiro da
Cunha, organizadores do 2º Concurso Miss Cultura para trechos
literários. Um concurso de beleza
em que as beldades são os livros.
Os dois idealizaram o concurso
como forma de fazer um sarau diferente. A cada mês, junta-se a dupla um convidado especial. Com a
convidada desta edição, Cíntia
Moscovitch, também escritora
gaúcha, eles apresentam em leitura cada uma de suas cinco candidatas postulantes ao título supremo e universal, escolhidas após 30
dias de processos seletivos prévios, na biblioteca mental de cada
um dos três. O público, cerca de
40 pessoas em uma livraria de
Porto Alegre, ouve atento aos textos e vota para definir a cada mês
a mais nova Miss Cultura.
Como tema desta edição, o fantasma abominado pelas belezas
tradicionais: comida e dieta. Os
candidatos, com perdão do ofensivo trocadilho, são autores de peso. O primeiro a desfilar é Fernando Pessoa, com o poema "Dobrada à Moda do Porto", lido por
Moscovitch. Em seguida, João
Guimarães Rosa, montado num
lindo "O Cavalo que Bebia Cerveja", também entra na passarela.
Mais tarde, o americano Philip
Roth desfila com seu "O Complexo de Portnoy" e o argentino Juan
José Saer expõe as delícias de um
churrasco canibal em "O Enteado". Todos são, braços cruzados
às costas e olhos ansiosos esperando o resultado, lado a lado
derrotados.
O vencedor, Miss Cultura de Junho de 2005, desponta na passarela sob rumores e polêmica.
"Com vocês, meu terceiro candidato", anuncia Cunha e nada lê.
Do alto, o som na caixa, e a música "Feijoada Completa", de Chico
Buarque. Carpinejar não se contenta, quer a desclassificação imediata do candidato: "Não é literatura". Moscovitch pondera, é, não
é, é, não é. O público vota e decide:
Chico Buarque não é desclassificado e mais tarde será novamente
votado pela maioria, para abocanhar o título de beldade-mor.
O segundo lugar, Princesa da
Noite, é disputado em segundo
turno pela zebra José Candido de
Carvalho, com "Bifes à Milanesa
com Farinha de Caco de Vidro", e
Adélia Prado, com seu adequado
"Casamento". Cunha faz a defesa
de seu candidato: "Os textos de
Carvalho são as coisas mais humorísticas que eu conheço na literatura brasileira." Carpinejar se
indigna novamente: "Mas que
discurseira é essa aí? Agora vai fazer tese?" Prado pertence a Moscovitch e acaba ficando com o terceiro lugar. Não deixa de ser boa
ironia: Adélia Prado é eleita Miss
Simpatia. Resta saber o que pensaria a própria autora disso.
Hora das justificativas
A teoria por trás da divertida
prática do concurso vai além de
parodiar o mundo fashion. "Estamos afirmando a necessidade de
beleza no texto literário, o que significa reflexão, contemplação e
construção de frases belas", diz
Carpinejar, tão seriamente como
esperariam os leitores de seu livro
de poemas "Como no Céu", recém-lançado pela Bertrand Brasil.
Cunha, autor de novelas infanto-juvenis e do romance para
adultos "Nosso Juiz" (Record),
completa: "É grego o negócio: a
arte é o que é belo aos olhos e aos
ouvidos". Aproveita ainda para
justificar a pertinência do evento:
"O sarau é uma forma de socializar a experiência da literatura,
que é quase sempre solitária e linear. Agora recuperamos essa
tradição antiga de ler textos em
público, mas de um modo menos
formal do que no passado".
Promover a votação do melhor
texto e também a competição e rixa fictícia entre aqueles que os selecionam previamente são ingredientes fundamentais à receita do
evento. "A proposta é que tanto
nós quanto o público encarnemos
o texto, que o tomemos com o
mesmo zelo e religiosidade como
se fosse nosso", diz Carpinejar,
cujas leituras dramáticas entusiasmadas irritavam Cunha. "Nada de leituras histriônicas", ele estabelecera no início. Carpinejar se
recusou a obedecer a ordem, seguindo, talvez, a idéia central de
tudo o que se fez ali.
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