São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Nos braços de DEUS

Roupagem cristã do novo "Super-Homem" é isca para platéias conservadoras

Sites especulam sobre a religião do herói, cujo novo filme estréia amanhã


Divulgação
Brandon Routh é o novo rosto de Clark Kent/Super-Homem no filme de Bryan Singer


SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON

Ele é o único filho de um pai com superpoderes que o envia a este planeta para ajudar a humanidade. Seu sobrenome de batismo é El, uma das palavras em hebraico que designaria "Deus". Originalmente, seus pais terrestres se chamavam Joseph (José) e Mary (Maria). É encontrado não numa manjedoura, mas no meio de um milharal, enrolado em trapos. Tem de assumir identidade humana para preservar a identidade sobrenatural. Seu arquiinimigo quer controlar a Terra e nutre desprezo pelos homens.
É um pássaro? É um avião? Não! É o Messias, disfarçado de super-herói.
Estréia amanhã, mundialmente (no Brasil, no dia 14 de julho), a mais nova versão cinematográfica das aventuras do Super-Homem. Nunca o herói criado em 1938 por uma dupla de quadrinhistas judeus -que já apareceu em dezenas de filmes, telefilmes e séries para TV e em milhares de edições de HQ- teve um apelo tão cristão quanto agora, de acordo com estudos de analistas (religiosos ou não), relatos de quem já assistiu ao novo filme e declarações recentes do próprio diretor, Bryan Singer (dos dois primeiros "X-Men").
Em "Superman - O Retorno" ("Superman Returns"), o super-herói faz sua segunda volta à Terra, onde reencontra uma Lois Lane mãe de um menino de cinco anos e ganhadora de um Prêmio Pulitzer pela coluna "Por que o Mundo Não Precisa de um Super-Homem". Enquanto tenta "reconvertê-la", ele terá de medir forças com o supervilão Lex Luthor.
Embora não tão explicitamente como a fábula cristã "As Crônicas de Nárnia" (2005), o filme pega carona no violento sucesso de "A Paixão de Cristo" (2004), interpretação de Mel Gibson para a via-crúcis bíblica que entraria para a história por ser o filme não-falado em inglês (os diálogos são em aramaico) e proibido para menores de 17 mais visto até hoje nos Estados Unidos, com um faturamento de mais de meio bilhão de dólares mundialmente, o equivalente a 20 vezes o seu custo.
Despertaria ainda a indústria do entretenimento para o potencial econômico dos chamados "Estados vermelhos" (a cor do Partido Republicano, conservador), região do interior dos Estados Unidos em que o voto da direita religiosa foi o fiel da balança nas eleições de dois anos atrás, ao conduzir George W. Bush para mais quatro anos no Salão Oval da Casa Branca, e que era historicamente ignorada pelos estúdios hollywoodianos.
A começar pelo pôster, em que o super-herói parece crucificado, "Superman - O Retorno" tem uma série de elementos que, aqui e ali, lembram uma história milenarmente familiar para a audiência. Um exemplo é o pedaço de criptonita -o único material a que o herói é sabidamente vulnerável- que é enfiado no Super-Homem por Lex Luthor e que remete aos pregos que crucificaram Jesus.
"Essa interseção entre os super-heróis e o Evangelho nunca foi tão explícita quanto em Super-Homem", disse à Folha Stephen Skelton, autor do recém-lançado "The Gospel According to the World's Greatest Superhero" (o Evangelho segundo o maior super-herói do mundo), que estuda justamente essas semelhanças.
Os pais de Clark Kent, que teriam seus nomes alterados para Jonathan e Martha já nos anos 30 por pressões dos editores, segundo Skelton, o criaram num lar cristão: "Nós os vemos claramente dizendo: "Vamos orar a Deus" em certos momentos; a igreja tem uma presença grande na comunidade em que ele vive primeiro, tanto que se vê um Clark adolescente indo falar com o pastor quando em dúvidas", relata o autor.
Alguns chegam mesmo a determinar qual seria essa religião. É o caso do site Belief.net, que colocou na rede uma tabela dos super-heróis mais conhecidos e quais seriam as determinações que seguem. Baseiam-se no estudo de Preston Hunter, criador de outro site religioso -Adherents.com-, que pesquisou centenas de milhares de referências em quadrinhos, filmes, programas, desenhos de TV e entrevistas de autores para chegar à religião de cada um.
No caso de Super-Homem, é uma aproximação. Como ele chega à Terra numa comunidade rural do Kansas, Estado norte-americano que é o centro geodésico e geográfico do país, é provável que a família que o adotou siga a religião da maioria local, a metodista.
Mas Hunter foi além. Só para ficar no universo em questão, determinou a religião de Lois Lane (católica), de Perry White, o publisher do "Planeta Diário", jornal em que Clark Kent trabalha (batista), e mesmo do arquiinimigo, Lex Luthor, que seria um ateu niilista apreciador do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Com o sucesso de audiência das "descobertas", o autor do site agora trabalha numa tabela que está quase completa. Assim, o mutante Wolverine é um ex-ateu que chegou a flertar com o budismo, mas hoje em dia não segue nenhuma religião (apesar de acreditar em Deus), e Steve Rogers, nome civil do Capitão América, seria protestante, o mesmo credo seguido por Peter Parker, o Homem-Aranha.
Situação mais complicada é a de Bruce Wayne, o Batman. Tudo indicava que fosse anglicano, mas as cruzes que às vezes aparecem no túmulo de seus pais fazem crer que ele seja católico não-praticante.
Se tudo são obviamente suposições, por se tratar de personagens fictícios, o pano de fundo de "Superman - O Retorno" é menos nebuloso. Em entrevista à "Newsweek" que chega às bancas nesta semana, o diretor Bryan Singer diz, com todas as letras: "Há um pouco da história de Moisés na origem do Super-Homem -os pais que mandam seu filho rio abaixo para cumprir seu destino. Há uma alegoria cristã bastante forte, ao mesmo tempo, particularmente em nosso filme, que trata de salvadores e sacrifícios. Eu estava bem consciente disso".
Que a platéia compartilhe dessa consciência é o que esperam os estúdios.


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