|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/Osesp
SP vê labirinto monumental do "Réquiem"
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Dois anos atrás, a Osesp
apresentou o "Réquiem Polonês", de
Krzysztof Penderecki, regido
pelo septuagenário compositor. Agora foi a vez de "Os Sete
Portões de Jerusalém", formalmente sua "Sétima Sinfonia",
na prática um gigantesco oratório, como o "Réquiem" e o
"Credo". Nem todo mundo terá
se impressionado tanto agora
como em 2004, mas o mínimo
que se pode dizer é que era a
chance rara de escutar ao vivo
uma peça importante do repertório atual.
Diga-se de passagem que, em
boa parte graças ao empenho
do maestro John Neschling e
da orquestra, ao longo desses
últimos quase dez anos, o repertório contemporâneo suscita menos resistência hoje do
que se diz. Sábado, em plena
hora do jogo da Argentina com
o México, a Sala São Paulo estava quase lotada -e assim continuava duas horas depois.
Poucas vezes se viu um palco
tão atulhado. As cadeiras e instrumentos formavam um labirinto, à própria imagem da cidade velha em Jerusalém. Além
das forças máximas da sinfônica, a peça pede mais quatro clarinetes, quatro fagotes, quatro
trompas, três trompetes, quatro trombones e uma tuba tocando fora do palco, sem falar
no coro, nos cinco solistas (ótimos cantores poloneses), no
narrador (Tadeu Aguiar) e no
acervo expandido da percussão, que inclui árvore de sinos,
bin-sasaras, árvore de triângulos e sinos de igreja.
O monumentalismo é da essência mesmo dessa música
(composta em 1996), assim como a ênfase lírica-melódica que
marca toda a produção de Penderecki desde meados da década de 1970 -muito distinta,
nisso, das peças que fizeram
sua fama na década anterior.
Comum a todas é o uso do semitom como pedra de toque da
harmonia.
Mesmo a melodia vira e mexe
retorna ao semitom: por exemplo, no início de "Das Profundezas Eu Clamo", em que o coro "a capella" entoa uma expressiva linha cromática descendente; ou no início da seção
seguinte, "Se Eu me Esquecer
de Ti, Jerusalém", em que uma
escadinha semitonal ascende
até sete notas iguais repetidas,
sugerindo os sete portões da cidade. Também os vários solos
-de pícolo, de trompa, de
trombone, entre outros- exploram com sabedoria os pequenos intervalos.
Se a música é pequena por
dentro, ela é gigantesca por fora
e tem seu ponto alto nas grandes explosões. Regida por
Neschling com o devido senso
dramático, essa hora e tanto de
música não tem a contundência do "Réquiem", mas impõe
respeito. Alguém dirá que soa,
às vezes, como uma mistura de
Bruckner e Carl Orff, o que pode ser entendido como insulto
ou elogio. Mas o mínimo que se
deve dizer é que a presença de
Penderecki no panorama da
música contemporânea está, há
muito, e talvez para sempre,
acima de qualquer desfeita.
RÉQUIEM POLONÊS
Texto Anterior: Penderecki se mostra em várias facetas Próximo Texto: Discografia selecionada Índice
|