São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Crítica/Osesp

SP vê labirinto monumental do "Réquiem"

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Dois anos atrás, a Osesp apresentou o "Réquiem Polonês", de Krzysztof Penderecki, regido pelo septuagenário compositor. Agora foi a vez de "Os Sete Portões de Jerusalém", formalmente sua "Sétima Sinfonia", na prática um gigantesco oratório, como o "Réquiem" e o "Credo". Nem todo mundo terá se impressionado tanto agora como em 2004, mas o mínimo que se pode dizer é que era a chance rara de escutar ao vivo uma peça importante do repertório atual.
Diga-se de passagem que, em boa parte graças ao empenho do maestro John Neschling e da orquestra, ao longo desses últimos quase dez anos, o repertório contemporâneo suscita menos resistência hoje do que se diz. Sábado, em plena hora do jogo da Argentina com o México, a Sala São Paulo estava quase lotada -e assim continuava duas horas depois.
Poucas vezes se viu um palco tão atulhado. As cadeiras e instrumentos formavam um labirinto, à própria imagem da cidade velha em Jerusalém. Além das forças máximas da sinfônica, a peça pede mais quatro clarinetes, quatro fagotes, quatro trompas, três trompetes, quatro trombones e uma tuba tocando fora do palco, sem falar no coro, nos cinco solistas (ótimos cantores poloneses), no narrador (Tadeu Aguiar) e no acervo expandido da percussão, que inclui árvore de sinos, bin-sasaras, árvore de triângulos e sinos de igreja.
O monumentalismo é da essência mesmo dessa música (composta em 1996), assim como a ênfase lírica-melódica que marca toda a produção de Penderecki desde meados da década de 1970 -muito distinta, nisso, das peças que fizeram sua fama na década anterior.
Comum a todas é o uso do semitom como pedra de toque da harmonia. Mesmo a melodia vira e mexe retorna ao semitom: por exemplo, no início de "Das Profundezas Eu Clamo", em que o coro "a capella" entoa uma expressiva linha cromática descendente; ou no início da seção seguinte, "Se Eu me Esquecer de Ti, Jerusalém", em que uma escadinha semitonal ascende até sete notas iguais repetidas, sugerindo os sete portões da cidade. Também os vários solos -de pícolo, de trompa, de trombone, entre outros- exploram com sabedoria os pequenos intervalos.
Se a música é pequena por dentro, ela é gigantesca por fora e tem seu ponto alto nas grandes explosões. Regida por Neschling com o devido senso dramático, essa hora e tanto de música não tem a contundência do "Réquiem", mas impõe respeito. Alguém dirá que soa, às vezes, como uma mistura de Bruckner e Carl Orff, o que pode ser entendido como insulto ou elogio. Mas o mínimo que se deve dizer é que a presença de Penderecki no panorama da música contemporânea está, há muito, e talvez para sempre, acima de qualquer desfeita.


RÉQUIEM POLONÊS     

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