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LIVROS
Crítica/"Outra Vida"
Tensão narrativa se dissipa em sucessão de lugares comuns
Psicologização de personagens soa estereotipada no novo livro de Rodrigo Lacerda, que também participa da 7ª Flip
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A narrativa de "Outra Vida", de Rodrigo Lacerda, se ocupa de uma situação banal. Um sujeito de extração humilde engravida e casa com uma moça da elite de
uma pequena cidade. Graças à
sogra, consegue uma sinecura
numa estatal com sede na metrópole. A mulher, sob o império da mãe, pressiona o marido
a ter ambição, ao mesmo tempo
em que tem dificuldade para
aceitar a filha. Acaba amante do
chefe do marido, enquanto o
marido, pacato, aceita suborno
numa licitação. Após denúncia,
decide voltar com a família para a antiga cidade.
A situação é, pois, mais típica,
que particular. A forma narrativa acentua essa natureza generalizante. Chama as personagens pela sua função na economia doméstica: "marido", "homem", "mulher", "filha" e
"amante", e adota um ponto de
vista de terceira pessoa onisciente, de observação neutra.
A narrativa se desenvolve pela articulação de dois procedimentos. De um lado, acompanha os dilemas das personagens, produzindo um aprofundamento psicológico da aparente simplicidade inicial. De
outro, organiza a sincronização
dos acontecimentos em torno
da hora de saída do ônibus, na
rodoviária, que levaria a família
de volta à cidade de origem.
O primeiro procedimento resulta, infelizmente, mal. Quando se aplica a escuta neutra às
personagens típicas, o resultado não é complexidade psicológica, mas uma coleta de raciocínios tipificados, uma expansão
ou escansão do núcleo estereotipado em lugares comuns.
Poderia haver um gosto perverso em produzir esse tipo de
preenchimento dedutivo: explicitar toda a porcaria sob a
porcaria de origem. Mas não
haveria avanço analítico, pois o
mapa da banalidade já está praticamente inteiro no convencionalismo inicial. Psicologizar
não individualiza as personagens, apenas expande a convencionalização.
No pior dos
casos, ocorre naturalização de
estereótipos e não "hiperrealismo": "Muitas vezes, enquanto
trepava com a mulher, prestando atenção em detalhes hiperrealistas da cena sexual, cogitava o que o marido sentiria se
soubesse, se os visse ali, se ouvisse a mãe de sua filha gemendo com outro homem na cama". O efeito geral é redundante. O estereótipo ganha foros de
alegoria do mundo.
O segundo procedimento é o
que o livro tem de melhor. A situação típica é concentrada,
dramatizada em torno de um
momento único. A operação
torna o livro apto para se tornar
um bom conto, com suspensão
e expectativa narrativa, mas
não se impõe sobre o conjunto
distendido do romance.
Bem
realizada no ápice, quando
ocorre o desaparecimento da
menina e momentos de desespero, a tensão acaba diluída nas
digressões que consomem a
narrativa. Perder o nervo que
sincroniza os eventos com a
iminência do desastre equivale
a perder a partida.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)
OUTRA VIDA
Autor: Rodrigo Lacerda
Editora: Alfaguara
Quanto: R$ 39,90 (184 págs.)
Avaliação: regular
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