São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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ELEIÇÃO NA ABL

Escritor diz que sentimento é marca em sua tarefa de levar a cultura brasileira para o resto do planeta

"Sou um solitário", afirma Paulo Coelho

IVAN FINOTTI
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O escritor Paulo Coelho, 54, o mais novo imortal da Academia Brasileira de Letras, é um solitário. Apesar de 41 milhões de livros vendidos no planeta, diz que levar a cultura brasileira ao resto do planeta é uma tarefa solitária e, por isso, incômoda. "Eu espero, com essa eleição para a Academia, diminuir essa sensação de solidão", afirmou Coelho.
O escritor também se revelou incomodado pela pressão exercida nos acadêmicos pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. "Ele pediu votos para Hélio Jaguaribe, mas o tiro saiu pela culatra", disse. A Folha tentou ouvir o ministro, mas ontem ele estava em viagem e não foi encontrado.
Com 127 milhões leitores no mundo (são 3,1 leitores por livro vendido), Coelho recebeu a Folha em seu apartamento em Copacabana na manhã de ontem.

Folha - Houve algo que o incomodou nessa eleição?
Paulo Coelho -
Me incomodou a interferência do ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Entrando numa seara que não é dele, pressionou alguns acadêmicos para votar no Hélio Jaguaribe. Posso citar Carlos Heitor Cony, Arnaldo Niskier e Marcos Almir Madeira. O tiro saiu pela culatra.

Folha - Não conseguiu nenhum voto?
Coelho -
Não conseguiu. Não sei se esses acadêmicos votaram em mim, mas sei que eles ficaram mais convencidos de seu voto.

Folha - A ABL diz que o senhor vai ser o embaixador da Academia no mundo. O senhor se sente confortável nesse papel?
Coelho -
Minha carreira foi sempre muito solitária. Descobri uma porta, fui publicado em 155 países, traduzido para 56 línguas... Mas o fato de você estar sozinho é algo que incomoda. Eu espero, com essa eleição para a Academia, diminuir essa sensação de solidão. Eu espero que possa mostrar o trabalho do passado e do presente do Brasil, que a Academia representa muito bem, nos lugares onde estou, aos meus editores, nas feiras.

Folha - Como o sr. se sente solitário com 127 milhões de leitores?
Coelho -
Não é isso. Solitário em mostrar a cultura do Brasil. Não é como quando aconteceu o "boom" da literatura latino-americana. Eu abri, eu fui e nenhum escritor aproveitou a porta.

Folha - Por que o senhor tem 127 milhões de leitores no mundo? Por que o senhor e não outro?
Coelho -
Tenho cinco ou seis respostas de algibeira para isso. E quando estou sem paciência para dar entrevistas, costumo dar a explicação A, B ou C. Mas a verdade é que eu não sei.

Folha - Alguma idéia?
Coelho -
O processo de criação é um mistério. Tem muitos livros na minha área. Mas de repente o meu se destaca. Você vai olhar e está na lista dos mais vendidos da Alemanha há seis anos.

Folha - E que circunstâncias levaram o senhor a esse ponto?
Coelho -
Eu sei o que me levou até lá. É a única coisa que leva um escritor a fazer sucesso: é o boca a boca.

Folha - Fala-se em marketing.
Coelho -
Marketing? Marketing nenhum. Porque, no começo, a crítica era muito, muito dura. Paulada o tempo todo.

Folha - Até as 16h40 de ontem, o senhor era um mortal. O que mudou nessas últimas horas?
Coelho -
Não. Você está enganado. Até as 16h40 de ontem, eu já era imortal. Porque eu semeei muitos corações. Agora, quanto tempo vai durar essa imortalidade, eu não sei. Seguramente uma geração.

Folha - Uma geração de leitores?
Coelho -
De leitores. Pode até durar duas, mas aí pode se tornar aquele chamado "clássico". E o "clássico" sempre é chato para aquela geração.

Folha - Mas não é ruim escrever um clássico, é?
Coelho -
De maneira nenhuma, mas aí eu não seria lido porque as pessoas querem e sim porque são obrigadas.

Folha - É verdade que o senhor tem um cofre com as críticas que recebeu?
Coelho -
Com tudo. Com as críticas e os elogios. Eu mandei recentemente microfilmar tudo isso. Porque eu acho que todo mundo é responsável pelo que escreve. Não é para uma vingança. É porque por vezes as pessoas tendem a idealizar o sucesso, a dizer que é um mar de rosas. Não é assim.

Folha - Os microfilmes estão num cofre?
Coelho -
Estão uma empresa, no meu escritório. São três cópias.

Folha - Que organização.
Coelho -
Sou virginiano. Guardo também meus textos. São guardados para estudos, comparações, entender o processo, mas não podem ser publicados. Coloquei essa cláusula no meu testamento.


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