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"FATHERHOOD: AN ANTHOLOGY"
Livro oportunista disseca o "ser" pai
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Em mercados editoriais vigorosos, é comum ocorrerem
lançamentos de ocasião para
aproveitar o impulso natural de
vendas que algumas datas ou fatos provocam entre o público. É o
caso de comemorações tipo Natal, Páscoa, Dia das Mães ou dos
Pais. Todos os anos, na América
do Norte e na Europa ocidental, as
livrarias recebem novos títulos a
respeito do tema de cada uma
dessas festividades.
Este ano, em junho, quando se
comemora o Dia dos Pais nos
EUA e na Grã-Bretanha, um desses livros foi "Fatherhood: An Anthology" (A Condição de Pai:
Uma Antologia), editado pelo jornalista John Lewis-Stempel, 39,
pai de um menino e uma menina.
Trata-se de uma coleção de textos escritos ao longo de pelo menos 4.000 anos sobre o que é ser
pai e sobre a relação entre pai e filhos. O caráter oportunista do livro é evidente, e não há tentativa
de disfarçá-lo. A seleção obedeceu
ao critério de oferecer ao leitor pequenos dropes, mais engraçados
do que profundos, mais curiosos
do que provocadores. Quase nada
vai além de uma página.
É conspícua, por exemplo, a ausência de pelo menos um trecho
da "Carta ao Pai" (embora Kafka
esteja presente na antologia, com
"O Julgamento", aliás, o texto
mais longo do livro). O objetivo
do editor, ostensivamente, não é
incomodar, instigar a reflexão.
Mesmo assim, muitas vezes é isso
o que acontece.
Indo de Bob Dylan a Balzac, de
uma canção de ninar anônima do
início do século 19 a conselhos de
um website dedicado a pais que ficam em casa com as crianças, de
citações das epístolas de são Paulo
aos conselhos epistolares de F.
Scott Fitzgerald à filha, seria quase
impossível não esbarrar em pensamentos interessantes.
De fato, há muita coisa bonita e
inteligente no compêndio de Lewis-Stempel. Até mesmo a sua
bem-humorada introdução, em
que descreve sua motivação para
realizar o empreendimento (o
nascimento de seu primeiro filho,
como seria de esperar, em 1994) e
esboça uma ligeira história das
mudanças sofridas pelo papel do
pai na família a partir da Revolução Industrial, quando -segundo ele- o homem deixou a casa
para trabalhar fora e se distanciou
da tarefa de educar as crianças.
Nos últimos 30 anos, o pai retomou em parte a função educadora por causa da expansão feminina na força de trabalho, o que
possibilita, de acordo com Lewis-Stempel, até mesmo o crescente
interesse por livros como o dele.
Os textos da antologia estão divididos em seis grupos temáticos:
"nasce um pai" (que tratam da
descoberta da consciência de ser
pai), "pais e filhos", "a garota do
papai" (que cuidam das relações
entre o pai e os filhos do sexo masculino e feminino respectivamente), "os pecados do pai" (talvez o
mais instigante dos seis capítulos,
por abordar um assunto que se
prefere evitar: a opressão paterna,
muitas vezes expressada por meio
de violência física), "experiência"
(reflexões sobre o aprendizado do
trabalho de ser pai) e "patrimônio" (outro problema sobre o
qual se reflete pouco, a relação entre pais e filhos mediada pela herança, material ou espiritual).
Os melhores momentos num
compêndio desse tipo, que não
tem mesmo grandes ambições intelectuais (ao contrário, por
exemplo, de "Fathers and Sons",
coletânea similar, organizada por
Alberto Manguel), talvez sejam os
mais despretensiosos, como um
curtíssimo excerto da autobiografia de Vladimir Nabokov, em que
o autor de "Lolita" recorda a sensação de empurrar o carrinho de
seu filho pelas ruas de Berlim nos
anos da ascensão do nazismo.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
"Fatherhood: An Anthology"
Autor: John Lewis-Stempel
Lançamento: Pocket Books
Quanto: aprox. R$ 34 (303 págs)
Onde encontrar: www.amazon.co.uk
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