São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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"FATHERHOOD: AN ANTHOLOGY"

Livro oportunista disseca o "ser" pai

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em mercados editoriais vigorosos, é comum ocorrerem lançamentos de ocasião para aproveitar o impulso natural de vendas que algumas datas ou fatos provocam entre o público. É o caso de comemorações tipo Natal, Páscoa, Dia das Mães ou dos Pais. Todos os anos, na América do Norte e na Europa ocidental, as livrarias recebem novos títulos a respeito do tema de cada uma dessas festividades.
Este ano, em junho, quando se comemora o Dia dos Pais nos EUA e na Grã-Bretanha, um desses livros foi "Fatherhood: An Anthology" (A Condição de Pai: Uma Antologia), editado pelo jornalista John Lewis-Stempel, 39, pai de um menino e uma menina.
Trata-se de uma coleção de textos escritos ao longo de pelo menos 4.000 anos sobre o que é ser pai e sobre a relação entre pai e filhos. O caráter oportunista do livro é evidente, e não há tentativa de disfarçá-lo. A seleção obedeceu ao critério de oferecer ao leitor pequenos dropes, mais engraçados do que profundos, mais curiosos do que provocadores. Quase nada vai além de uma página.
É conspícua, por exemplo, a ausência de pelo menos um trecho da "Carta ao Pai" (embora Kafka esteja presente na antologia, com "O Julgamento", aliás, o texto mais longo do livro). O objetivo do editor, ostensivamente, não é incomodar, instigar a reflexão. Mesmo assim, muitas vezes é isso o que acontece.
Indo de Bob Dylan a Balzac, de uma canção de ninar anônima do início do século 19 a conselhos de um website dedicado a pais que ficam em casa com as crianças, de citações das epístolas de são Paulo aos conselhos epistolares de F. Scott Fitzgerald à filha, seria quase impossível não esbarrar em pensamentos interessantes.
De fato, há muita coisa bonita e inteligente no compêndio de Lewis-Stempel. Até mesmo a sua bem-humorada introdução, em que descreve sua motivação para realizar o empreendimento (o nascimento de seu primeiro filho, como seria de esperar, em 1994) e esboça uma ligeira história das mudanças sofridas pelo papel do pai na família a partir da Revolução Industrial, quando -segundo ele- o homem deixou a casa para trabalhar fora e se distanciou da tarefa de educar as crianças. Nos últimos 30 anos, o pai retomou em parte a função educadora por causa da expansão feminina na força de trabalho, o que possibilita, de acordo com Lewis-Stempel, até mesmo o crescente interesse por livros como o dele.
Os textos da antologia estão divididos em seis grupos temáticos: "nasce um pai" (que tratam da descoberta da consciência de ser pai), "pais e filhos", "a garota do papai" (que cuidam das relações entre o pai e os filhos do sexo masculino e feminino respectivamente), "os pecados do pai" (talvez o mais instigante dos seis capítulos, por abordar um assunto que se prefere evitar: a opressão paterna, muitas vezes expressada por meio de violência física), "experiência" (reflexões sobre o aprendizado do trabalho de ser pai) e "patrimônio" (outro problema sobre o qual se reflete pouco, a relação entre pais e filhos mediada pela herança, material ou espiritual).
Os melhores momentos num compêndio desse tipo, que não tem mesmo grandes ambições intelectuais (ao contrário, por exemplo, de "Fathers and Sons", coletânea similar, organizada por Alberto Manguel), talvez sejam os mais despretensiosos, como um curtíssimo excerto da autobiografia de Vladimir Nabokov, em que o autor de "Lolita" recorda a sensação de empurrar o carrinho de seu filho pelas ruas de Berlim nos anos da ascensão do nazismo.

Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"



"Fatherhood: An Anthology"   
Autor: John Lewis-Stempel
Lançamento: Pocket Books
Quanto: aprox. R$ 34 (303 págs)
Onde encontrar: www.amazon.co.uk




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