São Paulo, sábado, 27 de julho de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

"A PINTURA COMO ARTE"

Obra privilegia a perspectiva do artista e oferece interpretações de Poussin, Manet e Ingres

Wollheim analisa a essência pictórica

MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO

Por que ainda hoje podemos contemplar imagens produzidas há milhares de anos? Para o filósofo britânico Richard Wollheim, 79, a pintura somente conseguiu sobreviver porque os artistas tiveram êxito, ao longo do tempo, em criar objetos capazes de transmitir ao público um significado inteligível.
Definir qual é esse significado constitui o fio condutor de "A Pintura como Arte", obra de 1987 que reúne as conferências que Wollheim expôs três anos antes, na National Gallery (EUA).
Rejeitando as explicações sugeridas pelo estruturalismo e pela semiótica, o autor argumenta que o sentido de uma representação pictórica reside na idéia que o artista inscreve no objeto: "A pintura é uma atividade intencional". Um agente efetua uma série de marcas numa superfície delimitada, as quais induzem o espectador a recriar, em sua consciência, um estado mental correspondente.
Como esse significado é psicológico, o papel do crítico é reconstituir as intenções que motivaram o artista. Daí a importância de esquadrinhar a biografia do pintor para esclarecer as circunstâncias que envolveram a criação do quadro: cada informação que obtemos altera a percepção da obra. Assim, "se quisermos compreender quando e por que a pintura é uma arte, precisamos considerá-la da perspectiva do artista".
A obra constitui uma representação de objetos externos ou a expressão de fenômenos internos ao próprio agente. A percepção do quadro consiste, pois, em ver algo dentro do quadro ("ver-em"), e não em ver o quadro como se ele fosse algo ("ver-como"), confundindo-o com o ente representado.
Essa metodologia privilegia o produtor da arte em detrimento do contemplador. Quais as vantagens dessa opção? Por um lado, ela exige do crítico uma investigação minuciosa do modo de feitura da obra (e, amparado na psicanálise, Wollheim exibe interpretações notáveis de Poussin, Manet, Ticiano, Picasso e, sobretudo, Ingres). Por outro, ela oferece ao significado, que não possui a inércia do objeto, uma certa estabilidade.
Com efeito, toda teoria que procura identificar o significado da pintura com o sentido que os próprios contempladores projetam na imagem esbarra no fato de que há infinitos espectadores, contra apenas um produtor. Priorizar o fruidor da obra em detrimento do artista implica descartar a possibilidade de existência de um sentido único e comum, que pudesse ser captado por todos os homens.
Apesar disso, a teoria de Wollheim não está a salvo das dificuldades. Não resta dúvida de que todo quadro é um objeto produzido intencionalmente por um artista: o problema reside em saber se o espectador apreende a intenção ou se ele apreende outra coisa.
Wollheim procura resolver esse problema alegando que o produtor é, ele mesmo, um espectador: "A distinção entre agente e observador não é uma distinção entre pessoas, mas principalmente entre papéis". Uma mesma pessoa pode assumir diferentes papéis, mas uma delas é sempre obrigada a fazê-lo: "O artista é essencialmente um espectador da obra".
O produtor é o primeiro observador de seu produto: "Não é que ele primeiro pinte para depois olhar. Os olhos são essenciais à sua atividade": a mão está a serviço do olho. O artista cria a imagem para um espectador interno.
Porém, se todo artista é um espectador, nem todo espectador é um artista. Para identificar o significado do quadro à intenção do produtor, Wollheim precisa descartar o espectador real. Caso contrário, seria obrigado a admitir que o sentido de uma obra pode se alterar com o tempo. Desse modo, "a pintura teria de adquirir conteúdo após deixar as mãos do artista", o que converteria o significado numa "coisa instável".
De seu ponto de vista, porém, não podemos explicar o significado das obras cujos autores ignoramos, como as pinturas rupestres de 30 mil anos atrás. Mesmo as imagens abstratas de De Kooning, que Wollheim interpreta como metáforas de sensações corporais, somente se encaixam com dificuldade em seu esquema teórico. Apesar dessas limitações, "A Pintura como Arte" continua sendo um clássico indispensável à compreensão da atividade pictórica.


A Pintura como Arte     
Autor: Richard Wollheim
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 65 (384 págs.)




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