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LIVRO/LANÇAMENTO
"A PINTURA COMO ARTE"
Obra privilegia a perspectiva do artista e oferece interpretações de Poussin, Manet e Ingres
Wollheim analisa a essência pictórica
MAURICIO PULS
DA REDAÇÃO
Por que ainda hoje podemos
contemplar imagens produzidas há milhares de anos? Para o
filósofo britânico Richard Wollheim, 79, a pintura somente conseguiu sobreviver porque os artistas tiveram êxito, ao longo do
tempo, em criar objetos capazes
de transmitir ao público um significado inteligível.
Definir qual é esse significado
constitui o fio condutor de "A
Pintura como Arte", obra de 1987
que reúne as conferências que
Wollheim expôs três anos antes,
na National Gallery (EUA).
Rejeitando as explicações sugeridas pelo estruturalismo e pela
semiótica, o autor argumenta que
o sentido de uma representação
pictórica reside na idéia que o artista inscreve no objeto: "A pintura é uma atividade intencional".
Um agente efetua uma série de
marcas numa superfície delimitada, as quais induzem o espectador
a recriar, em sua consciência, um
estado mental correspondente.
Como esse significado é psicológico, o papel do crítico é reconstituir as intenções que motivaram
o artista. Daí a importância de esquadrinhar a biografia do pintor
para esclarecer as circunstâncias
que envolveram a criação do quadro: cada informação que obtemos altera a percepção da obra.
Assim, "se quisermos compreender quando e por que a pintura é
uma arte, precisamos considerá-la da perspectiva do artista".
A obra constitui uma representação de objetos externos ou a expressão de fenômenos internos ao
próprio agente. A percepção do
quadro consiste, pois, em ver algo
dentro do quadro ("ver-em"), e
não em ver o quadro como se ele
fosse algo ("ver-como"), confundindo-o com o ente representado.
Essa metodologia privilegia o
produtor da arte em detrimento
do contemplador. Quais as vantagens dessa opção? Por um lado,
ela exige do crítico uma investigação minuciosa do modo de feitura
da obra (e, amparado na psicanálise, Wollheim exibe interpretações notáveis de Poussin, Manet,
Ticiano, Picasso e, sobretudo, Ingres). Por outro, ela oferece ao significado, que não possui a inércia
do objeto, uma certa estabilidade.
Com efeito, toda teoria que procura identificar o significado da
pintura com o sentido que os próprios contempladores projetam
na imagem esbarra no fato de que
há infinitos espectadores, contra
apenas um produtor. Priorizar o
fruidor da obra em detrimento do
artista implica descartar a possibilidade de existência de um sentido único e comum, que pudesse
ser captado por todos os homens.
Apesar disso, a teoria de Wollheim não está a salvo das dificuldades. Não resta dúvida de que
todo quadro é um objeto produzido intencionalmente por um artista: o problema reside em saber
se o espectador apreende a intenção ou se ele apreende outra coisa.
Wollheim procura resolver esse
problema alegando que o produtor é, ele mesmo, um espectador:
"A distinção entre agente e observador não é uma distinção entre
pessoas, mas principalmente entre papéis". Uma mesma pessoa
pode assumir diferentes papéis,
mas uma delas é sempre obrigada
a fazê-lo: "O artista é essencialmente um espectador da obra".
O produtor é o primeiro observador de seu produto: "Não é que
ele primeiro pinte para depois
olhar. Os olhos são essenciais à
sua atividade": a mão está a serviço do olho. O artista cria a imagem para um espectador interno.
Porém, se todo artista é um espectador, nem todo espectador é
um artista. Para identificar o significado do quadro à intenção do
produtor, Wollheim precisa descartar o espectador real. Caso
contrário, seria obrigado a admitir que o sentido de uma obra pode se alterar com o tempo. Desse
modo, "a pintura teria de adquirir
conteúdo após deixar as mãos do
artista", o que converteria o significado numa "coisa instável".
De seu ponto de vista, porém,
não podemos explicar o significado das obras cujos autores ignoramos, como as pinturas rupestres
de 30 mil anos atrás. Mesmo as
imagens abstratas de De Kooning,
que Wollheim interpreta como
metáforas de sensações corporais,
somente se encaixam com dificuldade em seu esquema teórico.
Apesar dessas limitações, "A Pintura como Arte" continua sendo
um clássico indispensável à compreensão da atividade pictórica.
A Pintura como Arte
Autor: Richard Wollheim
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 65 (384 págs.)
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