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DRAUZIO VARELLA
Raízes biológicas da obesidade
Tentar emagrecer é um inferno. Segunda-feira você começa o regime: duas torradas no
café, meia maçã às dez horas, bifinho de cem gramas com três folhas de alface no almoço, iogurte
desnatado às quatro da tarde e
sopinha de cenoura no jantar.
Imbuído das melhores intenções, você resiste quatro semanas
ao suplício da fome permanente,
sobe na balança e confere a recompensa: quatro quilos a menos.
Sua mulher fica feliz, e o pessoal
do escritório elogia com a delicadeza masculina: "Dando um fim
naquela barriga ridícula, meu?"
Depois de um mês de dieta rigorosa, no entanto, você começa a
fraquejar, mas apenas em dia de
festa: meio sanduichinho, dois copos de cerveja, um brigadeiro. No
dia seguinte, consumido pelo remorso você retorna à dieta rigorosa. No fim do segundo mês, porém, a balança é menos generosa:
dois quilos a menos. Não é o ideal,
mas está bom, pensa você, afinal
já foram seis quilos! Nesse ritmo!
No terceiro mês, sua disposição
para jejuar começa a dar sinais
de cansaço. Não só em dia de festa
acontecem as recaídas, nem há
necessidade de comidas especiais.
Você começa a se sujar por pouco:
empadinha de padaria, salgadinho roubado do pacote do filho,
pedaço de pudim esquecido na
geladeira. Impiedosa, a balança
trava e você se queixa: "Passo fome e não adianta nada".
Algumas semanas depois, você
observa consternado que a menor
extravagância alimentar é punida imediatamente com ganho de
peso; o sacrifício de dias consecutivos é malbaratado por um deslize mínimo no fim de semana.
Com a auto-estima em baixa, você desanima: "Não aguento mais
fazer regime". Num piscar de
olhos, engorda tudo o que perdeu
e ainda ganha mais alguns quilos, de castigo!
Por que razão é tão difícil manter o peso ideal, se todos almejam
ficar esguios e sabem que a obesidade aumenta o risco de hipertensão, diabetes, osteoartrite, ataques cardíacos e derrames cerebrais?
No cérebro, existe um centro
neural responsável pelo controle
da fome e da saciedade. Milhões
de anos de seleção natural forjaram a fisiologia desse centro, para
assegurar a ingestão de um número de calorias compatível com
as necessidades energéticas do organismo. Nessa área cerebral são
integradas as informações transmitidas pelos neurônios que conduzem sinais recolhidos no meio
externo, nas vísceras, na circulação e no ambiente bioquímico
que serve de substrato para os fenômenos psicológicos.
Estímulos auditivos, visuais e
olfatórios são permanentemente
censoreados pelo centro da saciedade, e explicam a fome que subitamente sentimos diante do cheiro ou da visão de certos alimentos. Faz frio, os neurônios responsáveis pela condução dos estímulos térmicos enviam informações
para o centro, e a fome aumenta;
mecanismo que evoluiu em resposta às maiores necessidades
energéticas dos animais para
manter constante a temperatura
corpórea, no inverno.
Quando as paredes do estômago são distendidas, a taxa de glicose na circulação aumenta, certos neurotransmissores são liberados no aparelho digestivo ou
quando determinadas enzimas
digestivas atingem os limites de
sua produção, o centro da saciedade bloqueia a fome e interrompe a refeição.
Fenômenos psicológicos também interferem permanentemente com o mecanismo de fome e saciedade, porque os centros cerebrais são especialmente sensíveis
aos neurotransmissores envolvidos nas sensações de prazer, raiva, amor ou medo. Por isso, comemos mais quando estamos entre
amigos, e menos em ambientes
hostis ou sob estresse psicológico.
Imaginemos nossos ancestrais
que viveram há 20 mil anos, por
exemplo, apenas um segundo
atrás no relógio da evolução. Como se alimentavam eles naqueles
tempos de alimentação escassa?
Faziam regime de bifinho com salada para manter a elegância?
A história de nossa espécie é
marcada pela fome crônica e epidêmica. Nossos ancestrais procuravam desesperadamente alimentos altamente calóricos para
sobreviver aos tempos de vacas
magras. Comiam frutas ricas em
carboidratos e a carne dos animais que conseguiam abater ou
das carcaças que disputavam
com as hienas e os urubus. A possibilidade de armazenar provisões surgiu com a agricultura, há
meros 10 mil anos. Durante milhões de anos, alternamos refeições fartas com longos períodos
de jejum forçado.
O cérebro humano foi forjado
pela penúria, como lembra o neurologista Daniele Riva.
Caso o centro da saciedade tivesse sido programado para desligar a fome no instante exato em
que ingeríssimos a última caloria
necessária para o funcionamento
do organismo naquele dia, seríamos todos esbeltos. A penúria
obrigou-o a ser complacente, no
entanto. Nas raras oportunidades
em que encontrávamos comida
farta, tínhamos que ingeri-la na
maior quantidade possível, e estocar as calorias em excesso sob a
forma de gordura para servir de
reserva.
Os portadores de centros de saciedade de atuação, restrita apenas às necessidades imediatas do
organismo, não atingiram a maturidade sexual porque não sobreviveram ao jejum que se seguia, e não deixaram filhos. Somos descendentes de indivíduos
nos quais o centro da fome só era
desligado depois da ingestão de
centenas de calorias em excesso.
Por isso, tantas vezes levantamos
da mesa com a sensação de que
deveríamos tê-lo feito dez minutos antes.
A natureza é sábia, todos dizem, mas não foi capaz de prever
que chegaríamos ao estado de
fartura atual, acessível a milhões
de seres humanos. Animais com
cérebros forjados em tempos de
penúria não podem ter geladeira
cheia, churrascaria rodízio e disque-pizza à disposição.
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