São Paulo, domingo, 27 de julho de 2008

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BIA ABRAMO

A ração de comerciais de industrializados


Exposto à propaganda, sua demanda por cereais, achocolatados e salgadinhos duplicou


DESDE QUE meu filho, 5 anos e 4 meses, começou a ver mais TV comercial, sua relação com a alimentação mudou. Isso foi há coisa de nove meses, quando sua tolerância para os desenhos mais "corretos" do Discovery foi minguando e seu interesse por aquilo que as crianças dessa idade chamam genericamente de "luta", qualquer que seja o tipo de personagem a protagonizá-la, recrudesceu.
Sua cota diária de TV passou a ser preenchida ora pela TV aberta, sobretudo os desenhos do Pica-Pau, ora pelos desenhos do Cartoon Network, do (ótimo) "Ben 10" a coisas péssimas como "As Terríveis Aventuras de Billy e Mandy" ou "Mucha Lucha". Exceto nas datas em que cresce a venda de brinquedos, como o Dia das Crianças, o que mais se tenta vender às crianças é comida.
Exposto à propaganda, sua demanda por cereais, achocolatados, refrigerantes e salgadinhos duplicou. Mais: além de querer alimentos que não faziam parte dos hábitos da casa, ele acredita em tudo o que está no entorno: "Mamãe, quem toma leite com aquilo consegue mesmo subir na parede?".
Claro, isso está no centro do negócio da propaganda -vendem-se idéias, desejos, projeções, fantasias e não as mercadorias em si. Por outro lado, é a mercadoria que encerra todo esse imaginário e, portanto, passa a ser desejada. Daí para uma desvalorização da comida de todo o dia e uma hipervalorização da comida investida de poderes fantásticos e prazeres ilimitados é um pulo.
Essa observação que faço das reações do meu filho não tem, é claro, nenhuma pretensão, além da de ecoar várias experiências de pais e mães e até mesmo de adultos que se vêem enredados pela publicidade. A gente sabe que ela não quer apenas informar -se fosse assim, para que tanta criatividade? Era só apresentar o produto e dizer que está à venda nas "melhores casas do ramo", como se fazia na pré-história dos meios de comunicação.
No caso da comida e das crianças, trata-se de formar um antigosto, que separa tudo o que é de fato fundamental para a nutrição daquilo que é acessório e, às vezes, nocivo nas quantidades encontradas nos industrializados. Aquilo que é fundamental é esquisito -poucos anos atrás, um anúncio de um suplemento alimentar infantil mostrava uma criança que pedia brócolis no supermercado como um ser dotado de um comportamento bizarro, que causava estranheza à mãe. Já o supérfluo, atraente.
A discussão em torno da restrição à publicidade de guloseimas não é um caso simples de liberdade de escolha ou direito à informação.

biabramo.tv@uol.com.br



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