São Paulo, segunda-feira, 27 de julho de 2009

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comentário

"Éramos jovens cineastas de classe média"

CACÁ DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Quando fizemos o "Cinco Vezes Favela" original, em 1961, essas comunidades ainda eram espaços semirrurais ocupados pela população proletária do Rio, expulsa da zona urbana pela premência da crise habitacional.
No morro do Cabuçu, em Lins de Vasconcelos, zona norte, onde rodei meu episódio e pernoitava na pequena casa que servia de sede à escola de samba local, a Unidos do Cabuçu, ainda podia-se assistir ao deslumbrante pôr de sol por trás de árvores frondosas, encontrar hortas e pomares, criações de porcos, galinhas e cabritos.
As moradias não eram de alvenaria e tijolos, como são hoje, mas de madeira e zinco, muitas vezes cobertas por papelão. A ideologia vigente era a da remoção, as autoridades evitavam ou impediam as benfeitorias que representassem qualquer tipo de fixação no local, na perspectiva de um dia afastar aquela "chaga social" da vista da cidade maravilhosa.
Mas os moradores também tratavam a favela como uma pena provisória, na esperança de voltar à sua terra de origem, quase sempre no Nordeste, ou de melhorar de salário e sair de lá, como a Conceição do samba-canção cantado por Cauby.
O que dominava suas manifestações culturais relacionadas à sua condição social era quase sempre uma espécie de autopiedade disfarçada por trás de um lirismo comovente e iluminado.
Em 1961, como jovens cineastas universitários de classe média, fomos ao encontro desse universo para revelá-lo como uma questão social grave pela qual éramos todos responsáveis.
Com pequena equipe sem salário, equipamento precário emprestado por simpatizantes e apenas o mínimo indispensável de filme, viajando para as locações de caminhão ou nos ônibus de linhas regulares, estávamos convencidos de que cumpríamos um papel de denúncia e conscientização, um protesto contra uma injustiça que devia envergonhar o país.
Além disso, tínhamos a certeza de que estávamos ajudando a fundar um novo cinema para o Brasil, feito a partir de nossa própria realidade, nas condições do país, com uma linguagem que só nós poderíamos constituir.
Hoje, sobretudo nesses últimos anos, essa cinematografia já existe, com sua imensa qualidade, sua decantada diversidade e agora também sua atração junto ao público. Mas, mais do que diverso, nosso cinema contemporâneo é também fragmentário, em parte destinado a nichos específicos e muitas vezes produzido em guetos que não se comunicam com a sociedade e muito menos com o sistema em que repousa sua economia formal.


CACÁ DIEGUES é cineasta.


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