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comentário
"Éramos jovens cineastas de classe média"
CACÁ DIEGUES
ESPECIAL PARA A FOLHA
Quando fizemos o "Cinco
Vezes Favela" original, em
1961, essas comunidades ainda eram espaços semirrurais
ocupados pela população
proletária do Rio, expulsa da
zona urbana pela premência
da crise habitacional.
No morro do Cabuçu, em
Lins de Vasconcelos, zona
norte, onde rodei meu episódio e pernoitava na pequena
casa que servia de sede à escola de samba local, a Unidos
do Cabuçu, ainda podia-se
assistir ao deslumbrante pôr
de sol por trás de árvores
frondosas, encontrar hortas
e pomares, criações de porcos, galinhas e cabritos.
As moradias não eram de
alvenaria e tijolos, como são
hoje, mas de madeira e zinco,
muitas vezes cobertas por
papelão. A ideologia vigente
era a da remoção, as autoridades evitavam ou impediam as benfeitorias que representassem qualquer tipo
de fixação no local, na perspectiva de um dia afastar
aquela "chaga social" da vista
da cidade maravilhosa.
Mas os moradores também tratavam a favela como
uma pena provisória, na esperança de voltar à sua terra
de origem, quase sempre no
Nordeste, ou de melhorar de
salário e sair de lá, como a
Conceição do samba-canção
cantado por Cauby.
O que dominava suas manifestações culturais relacionadas à sua condição social
era quase sempre uma espécie de autopiedade disfarçada por trás de um lirismo comovente e iluminado.
Em 1961, como jovens cineastas universitários de
classe média, fomos ao encontro desse universo para
revelá-lo como uma questão
social grave pela qual éramos
todos responsáveis.
Com pequena equipe sem
salário, equipamento precário emprestado por simpatizantes e apenas o mínimo indispensável de filme, viajando para as locações de caminhão ou nos ônibus de linhas
regulares, estávamos convencidos de que cumpríamos
um papel de denúncia e
conscientização, um protesto contra uma injustiça que
devia envergonhar o país.
Além disso, tínhamos a
certeza de que estávamos
ajudando a fundar um novo
cinema para o Brasil, feito a
partir de nossa própria realidade, nas condições do país,
com uma linguagem que só
nós poderíamos constituir.
Hoje, sobretudo nesses últimos anos, essa cinematografia já existe, com sua
imensa qualidade, sua decantada diversidade e agora
também sua atração junto ao
público. Mas, mais do que diverso, nosso cinema contemporâneo é também fragmentário, em parte destinado a
nichos específicos e muitas
vezes produzido em guetos
que não se comunicam com a
sociedade e muito menos
com o sistema em que repousa sua economia formal.
CACÁ DIEGUES é cineasta.
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