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"PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO E... PRIMAVERA"
Kim Ki-duk escapa da crítica social em seu novo longa
Para diretor, budismo marca a sociedade
JEAN-LUC DOUIN
DO "LE MONDE"
O novo longa-metragem do coreano Kim Ki-duk, o polêmico cineasta de "A Ilha", que em 2000
fez espectadores passarem mal
durante sua exibição no Festival
de Cannes, estréia hoje em São
Paulo, após temporada de sucesso
no circuito alternativo do Rio.
"Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" é um conto
religioso que flui a partir da passagem das quatro estações do ano.
"Esse filme influiu em mim. Agora estou em estado de desapego",
conta o diretor. Leia abaixo a entrevista concedida por Kim ao
jornal francês "Le Monde".
Pergunta - Seu "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" faz referência a episódios pessoais?
Kim Ki-duk - Nem tanto assim. É
um filme sobre os valores da cultura budista, valores esses que impregnam todos os coreanos, quer
sejam budistas praticantes ou
não. Todos são marcados por essa
idéia de que a felicidade se conquista não tanto com as realizações materiais, mas com as coisas
do espírito.
Esse conceito está presente em
todos os meus filmes, logo ele me
habita. Mas eu mesmo não sou
budista: sou protestante, cristão.
A única aproximação que se pode
fazer com minha vida é a imagem
do inverno. De fato, nos últimos
anos, fui mudando, especialmente pelo fato de fazer este filme. Foi
o filme que influiu em mim. Desde então, estou em estado de desapego. Prefiro receber golpes do
que desferi-los.
Pergunta - Seus personagens estão sempre à margem do mundo.
Por quê?
Kim - Essa percepção acerca de
meus filmes me espanta. Para
mim, um pobre, um bandido ou
uma prostituta são seres humanos como outros. Não tenho nenhuma preocupação em fazer crítica social. E, se os filmo numa
ilha, no meio de um lago ou perdidos nas montanhas, não é para
isolá-los, pois, metaforicamente
falando, esses lugares representam a sociedade.
Mas com freqüência eles são
cercados por água, reconheço.
Por que eu volto sempre para esse
tipo de ambiente? Será que você
observou que aqui, no meio desse
lago, o templo flutua? Gosto da
idéia de que ele gira e vai se voltando nas quatro direções: norte,
sul, leste e oeste. Assim, ele confunde os pontos de referência.
Apenas a água permite figurar essa liberdade, essas mudanças de
direção que queremos operar. Os
homens refletem os peixes que
coloquei no filme: encerrados
num recipiente ou em liberdade,
na natureza, sempre encerrados
dentro de uma paisagem cósmica.
O infinitamente pequeno dentro
do infinitamente grande.
Pergunta - O que significam as
inscrições que o assassino, como
castigo, precisa gravar sobre o assoalho do templo?
Kim - É o "Banyashimgyeung",
um dos textos do budismo. O importante não está tanto no texto
em si, mas é a prova que consiste
em gravar os caracteres na madeira, um a um, com uma faca. Posso
lhe garantir que é muito difícil,
pois fui eu, com a ajuda da equipe,
que os esculpi para fazer a cena.
Esse exercício dissipa aos poucos
o ódio que podemos ter dentro de
nós.
Tradução de Clara Allain
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