São Paulo, sexta-feira, 27 de agosto de 2004

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"PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO E... PRIMAVERA"

Kim Ki-duk escapa da crítica social em seu novo longa

Para diretor, budismo marca a sociedade

JEAN-LUC DOUIN
DO "LE MONDE"

O novo longa-metragem do coreano Kim Ki-duk, o polêmico cineasta de "A Ilha", que em 2000 fez espectadores passarem mal durante sua exibição no Festival de Cannes, estréia hoje em São Paulo, após temporada de sucesso no circuito alternativo do Rio.
"Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" é um conto religioso que flui a partir da passagem das quatro estações do ano. "Esse filme influiu em mim. Agora estou em estado de desapego", conta o diretor. Leia abaixo a entrevista concedida por Kim ao jornal francês "Le Monde".
 

Pergunta - Seu "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera" faz referência a episódios pessoais?
Kim Ki-duk -
Nem tanto assim. É um filme sobre os valores da cultura budista, valores esses que impregnam todos os coreanos, quer sejam budistas praticantes ou não. Todos são marcados por essa idéia de que a felicidade se conquista não tanto com as realizações materiais, mas com as coisas do espírito.
Esse conceito está presente em todos os meus filmes, logo ele me habita. Mas eu mesmo não sou budista: sou protestante, cristão. A única aproximação que se pode fazer com minha vida é a imagem do inverno. De fato, nos últimos anos, fui mudando, especialmente pelo fato de fazer este filme. Foi o filme que influiu em mim. Desde então, estou em estado de desapego. Prefiro receber golpes do que desferi-los.

Pergunta - Seus personagens estão sempre à margem do mundo. Por quê?
Kim -
Essa percepção acerca de meus filmes me espanta. Para mim, um pobre, um bandido ou uma prostituta são seres humanos como outros. Não tenho nenhuma preocupação em fazer crítica social. E, se os filmo numa ilha, no meio de um lago ou perdidos nas montanhas, não é para isolá-los, pois, metaforicamente falando, esses lugares representam a sociedade.
Mas com freqüência eles são cercados por água, reconheço. Por que eu volto sempre para esse tipo de ambiente? Será que você observou que aqui, no meio desse lago, o templo flutua? Gosto da idéia de que ele gira e vai se voltando nas quatro direções: norte, sul, leste e oeste. Assim, ele confunde os pontos de referência. Apenas a água permite figurar essa liberdade, essas mudanças de direção que queremos operar. Os homens refletem os peixes que coloquei no filme: encerrados num recipiente ou em liberdade, na natureza, sempre encerrados dentro de uma paisagem cósmica. O infinitamente pequeno dentro do infinitamente grande.

Pergunta - O que significam as inscrições que o assassino, como castigo, precisa gravar sobre o assoalho do templo?
Kim -
É o "Banyashimgyeung", um dos textos do budismo. O importante não está tanto no texto em si, mas é a prova que consiste em gravar os caracteres na madeira, um a um, com uma faca. Posso lhe garantir que é muito difícil, pois fui eu, com a ajuda da equipe, que os esculpi para fazer a cena. Esse exercício dissipa aos poucos o ódio que podemos ter dentro de nós.


Tradução de Clara Allain


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