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CRÍTICA
Parábola religiosa, filme é como um cartão-postal vazio
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Concebido como uma parábola religiosa em torno dos
preceitos do budismo, "Primavera, Verão, Outono, Inverno e...
Primavera" observa a vida como
um ciclo em que cada estação corresponde a um estágio do aprendizado humano. Essa visão está
claramente orientada pelo conceito do karma e a filosofia da
"causa e efeito", e é apresentada
de forma didática, com a relação
entre um monge e seu aprendiz.
São muito específicos, portanto,
os objetivos do cineasta Kim Ki-duk neste seu novo filme. "Primavera..." só pode ser entendido
com plenitude sob a perspectiva
religiosa: cada acontecimento encenado é a representação de alguma idéia budista (ou de alguma
idéia de uma entre as várias linhas
do budismo), e para quem não as
conhece de antemão tudo pode
parecer estranho e artificial.
Não se trata, no entanto, de um
filme de catequese, mas sim da
tentativa de transformar em narrativa uma visão de mundo de
contornos espirituais. Toda a
ação se passa em um cenário único: um pequeno templo isolado,
erguido no meio de um lago. Lá
habita o monge que vai criar um
bebê, seu aprendiz. A educação
isolada, em meio à natureza, sob o
aprendizado ético rigoroso do
monge, não será suficiente para
poupar o jovem do horror.
Numa visão no mínimo extrema, o aprendiz é levado à perdição logo pela primeira mulher
que conhece. Quando dá sinais de
desejo sexual, o jovem é reprimido pelo monge: "A luxúria leva ao
sentimento de posse, e o sentimento de posse leva à morte".
Surdo aos conselhos do sábio e levado por seus impulsos, o aprendiz cai em desgraça. A frase do
mestre é praticamente uma antevisão, e o que ele diz acontece de
fato. É difícil fazer um discernimento claro, nesse contexto, entre
a idéia de karma e a idéia de destino, e entre a lei de "causa e efeito"
e a famosa culpa judaico-cristã.
Toda parábola, e principalmente a parábola religiosa, trabalha
com simplificações extremas; no
caso de "Primavera...", não são
bem resolvidas por Kim Ki-duk
-um dos mais prolíficos cineastas coreanos. As imagens deslumbrantes do filme podem ser contempladas com prazer, mas projetam-se apenas como cartões-postais vazios, pretensamente espirituais, e que no fim de tudo deixam a sensação de carregar uma
carga moralista profunda.
Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera
Bom Yeorum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom
Direção: Kim Ki-duk
Produção: Coréia do Sul/Alemanha, 2003
Com: Oh Yeong-su, Kim Ki-duk
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Frei Caneca Unibanco Arteplex e
Market Place Playarte
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